Notícias | 06 de maio de 2014 08:57

O cristão é reconhecido pela partilha

* Siro Darlan
Embora abandonados pelos governos municipal e estadual, foram o tempo todo acolhidos pela caridade cristã do clero e dos fiéis que para lá acorreram com alimentação, roupas, apoio espiritual e psicológico. O cardeal Orani conclamou toda a população para buscar soluções dignas e formou uma comissão mista que nunca foi atendida pelos responsáveis por esse abandono: o prefeito e o governador.

O Judiciário, sempre lento em suas decisões, foi rápido no atendimento dos interesses de uma poderosa empresa de telefonia, que tanto trabalho tem dado aos juízes por seu habitual desserviço à população, a prefeitura e o governo do estado apresentaram-se para executar a ordem judicial com seu mais desrespeitoso aparato policial colocando toda violência no desalojamento dos sem-teto, mas se omitiram quando foram chamados pelo cardeal para um diálogo respeitoso.

Diante da ausência de respeito ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o povo violentado foi bater na porta do bispo. Este não só os acolheu como se dignou fazer uma mediação na busca da solução que respeitasse o direito á habitação sem violência. Em plena Semana Santa os palácios se fecharam, e os detentores do poder lavaram as mãos.

O cardeal, como Bom Pastor que é, colocou-se do lado dos mais necessitados e, enfrentando as críticas daqueles que combatem os que clamam por respeito aos seus direitos, criminalizando-os, ofereceu aos desalojados do governo oito opções com dignidade, sob o manto protecional da Igreja, para que ocupem até que os responsáveis por essa violência se dignem cumprir sua obrigação de dar alojamentos dignos ao povo sem-teto.

Após amplo diálogo com os desalojados, não faltou o enfrentamento aos anarco-punks que apostavam na política do quanto pior melhor ao tentarem influenciar nas negociações, dificultando ao máximo as conversações. Mas é preciso que num regime democrático todas essas opiniões sejam enfrentadas e debatidas com diálogo e não com a violência, única linguagem utilizada pelos governantes, sempre que alguém se rebela contra a opressão.

Final feliz. Por enquanto, no domingo em que a liturgia cristã identifica Cristo por sua forma de partilhar o pão, a Igreja soube partilhar com os menos favorecidos um de seus espaços, respeitando a dignidade da pessoa humana e praticando a caridade cristã.

* desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é membro da Associação Juízes para a democracia. – sdarlan@tjrj.jus.br

Fonte: Jornal do Brasil