Notícias | 24 de novembro de 2014 12:30

O caso Rafael Braga

* João Batista Damasceno

O Caso Rafael Braga retrata o que é criminalização da pobreza. Morador de rua, em 20 de junho de 2013 foi preso porque levava duas garrafas plásticas, de água sanitária e detergente, com o que limpava locais onde dormia durante a semana, por falta de dinheiro para ir para casa todo dia.

Rafael foi acusado de portar coquetéis molotov. Não houve perícia em fase judicial. A prova técnica foi a policial, tomada como verdadeira para a condenação, mesmo concluindo pela pequena capacidade de combustão do material apreendido. Mas, o pior: a denúncia acusou Rafael de fatos cometidos em 21 de junho, um dia após já estar preso.

Uma condenação ou absolvição se produz se os relatos se encaminham a favor ou contrariamente ao acusado. Em alguns casos, hipóteses passam a ser tratadas como versões e depois como ocorrências. Pouco importa se o objeto tinha capacidade de combustão.
A sentença repete que a ocorrência do fato criminoso se dera no dia 21 de junho. Em se tratando de um homem pobre e negro pouco importa o fato; se este ou aquele, bem como o tempo, se num ou noutro momento. Algum fato deve ter cometido, em algum tempo. O que interessa para o Estado Policial é que alguém pague para demonstrar sua capacidade de ser perverso.
Mesmo com imputação de fato em dia no qual não poderia praticá-lo Rafael acabou condenado a quase cinco anos de prisão. Fato é uma ocorrência concreta no mundo natural. Sua descrição há de ser minuciosa. Se Pedro matou José, mas a acusação é de que matou João há de ser absolvido. Pedro há de ser responsabilizado pelo que fez a José. Não é admissível a compensação dos fatos: pagar pelo que não fez por ter deixado de pagar pelo que fez.

Rafael nem parece compreender o mundo no qual está inserido. Um ano e meio de prisão não o fez raivoso. Das torturas que sofreu diz que apenas apanhava quando se esquecia de tratar os carcereiros de senhor. Imputa as torturas às suas próprias falhas: “Tirando estes castigos por causa das minhas displicências, correu tudo bem.”

Quem opera o sistema, por vezes, não concebe o inferno do mundo dos excluídos nem as agruras dos submetidos ao sistema penitenciário. E, por isso, há menos justiça quando se trata de pobres. A situação de Rafael poderia ser pior. Salvou-o o trabalho de jovens advogados do Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos (DDH).

* João Batista Damasceno é juiz de Direito do TJ-RJ e doutor em Ciência Política pela UFF

Fonte: O Dia