O jornal O Globo publicou, nesta segunda-feira (8), o artigo “Sistema prisional”, escrito pelo juiz Rafael Estrela, da Vara de Execuções Penais (VEP) do TJ-RJ. Ele afirmou que a sociedade tem se contentado com o encarceramento, sem se preocupar com a ressocialização de presos. “São pouco mais de 50 mil presos no sistema prisional fluminense. Há dez anos, havia 25 mil. Dobrou o número de presos, e a sensação de insegurança social não diminuiu. A tão almejada paz social depende de olhar mais atento e ressocializador do sistema prisional.”
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Leia a íntegra do artigo:
Sistema prisional
Tudo passa. Nada é eterno. E essas simples frases também se aplicam ao preso.
A sociedade se sente vitoriosa a cada prisão. O Rio de Janeiro, vitrine do país, é um dos estados mais violentos de nosso federalismo. Por isso, interessa à sociedade o encarceramento. É a satisfação do desejo de vingança social àquele que infringiu as normas legais.
Mas essa não é a função da pena. Além, é claro da sua função retributiva, há o aspecto preventivo genérico que incute nos membros da sociedade uma reflexão e intimidação ao cometimento de novos delitos. Mas não se pode esquecer da função de ressocialização da pena.
A Constituição cidadã de 1988 não previu prisão perpétua nem pena de morte (salvo em período de guerra), adotando máximo de 30 anos para pena privativa de liberdade, ainda que a condenação tenha ultrapassado esse montante.
Assim, o preso retorna ao convívio social. Ao juiz da execução penal não resta alternativa ao conceder ao preso os benefícios previstos na legislação penal, quando atingido o tempo mínimo de cumprimento de pena e havendo o atestado de bom comportamento carcerário.
Mas, o que foi feito com esse preso durante o seu tempo de custódia?
Há a falsa noção de que somente a restrição da liberdade é causa determinante para a paz social.
São pouco mais de 50 mil presos no sistema prisional fluminense. Há dez anos, havia 25 mil. Dobrou o número de presos, e a sensação de insegurança social não diminuiu. E por que será?
Excetuando os presos provisórios, menos de 10% dos definitivos possuem o direito de trabalhar fora do presídio. Menos de 10% também estudam, fazem cursos ou projetos intramuros.
O ócio, a brutalidade, o ambiente hostil são a rotina do cárcere.
Para aqueles que acreditam que a pena tem função meramente retributiva, o sistema prisional cumpre adequadamente sua função.
Ocorre que não se pode esquecer de que nada é eterno. Um dia esse homem que não teve qualquer possibilidade de reinserção social, que passou sua rotina carcerária convivendo com a violência e a desocupação retorna ao convívio social, e essa é a explicação para o alto índice de reincidência criminal.
A psicologia criminal não deixa dúvida de que há o criminoso nato. Há pessoas que só sabem viver à margem da lei. Para essas não há sistema carcerário ressocializador. Mas essa minoria não pode ser motivo da omissão social e estatal em colocar em prática ideias e projetos que visam a dar oportunidades de vida fora do crime.
Não é de hoje que se tem conhecimento da forte influência do sistema prisional no papel da segurança pública.
Mas, o tempo passa. Passa para todos. Para a sociedade e para o apenado que um dia retorna ao seu convívio com uma personalidade mais agressiva, e é questão de tempo para a sociedade vibrar com mais uma prisão.
Não se defende uma sociedade sem prisões. Os limites do cárcere são necessários à segurança pública. Mas a tão almejada paz social depende de olhar mais atento e ressocializador do sistema prisional.
Rafael Estrela Nóbrega é juiz da Vara de Execuções Penais (VEP) do TJ-RJ