Brasil | 18 de agosto de 2017 12:15

Justiça Restaurativa juvenil se expande no Brasil

* CNJ

Juíza Vanessa Cavalieri (Vara da Infância e Juventude de Competência Infracional do Rio)

Uma adolescente de 15 anos de idade é espancada por duas colegas de escola e, não bastando a humilhação de apanhar na frente dos amigos, ela acabou por urinar-se na roupa. Toda a confusão foi filmada e ganhou a internet. A punição para as envolvidas poderia ter-se resumido à prestação de serviços comunitários ou à aplicação de medida de liberdade assistida, mas, graças ao uso de técnicas da Justiça Restaurativa, a questão foi resolvida pacificamente.

Como em todos os casos em que a prática é aplicada, o primeiro passo é fazer uma consulta à vítima sobre o interesse em participar desse processo. Em caso de concordância, vítima, ofensor e familiares são convocados para o encontro. Frente a frente, com o objetivo de restaurar as marcas deixadas pela infração, as consequências do ato violento são discutidas sobre a perspectiva de cada um dos envolvidos. Ao fim, tenta-se selar um acordo para que o ofensor repare o crime.

No caso ocorrido no interior do Paraná, logo após a audiência de apresentação, o juiz que recebeu o caso decidiu sugerir a prática restaurativa. Já nos pré-círculos, os facillitadores conheceram a vítima e constataram que ela estava em profundo sofrimento, com sentimentos típicos de transtorno de estresse pós-traumático, inclusive ideações suicidas.

“Não fosse o círculo, a vítima continuaria alheia ao processo, com sintomas tendentes à piora. Ela pôde ser vista e teve direito à palavra para expor o quão difícil se tornou sua vida depois dos fatos. As agressoras conseguiram visualizar o grau de lesividade de suas condutas, compreenderam porque respondiam a um processo e que teriam de resolver, com a vítima, os danos sofridos”, disse o juiz Rodrigo Dias, titular da Vara da Infância e da Juventude de Toledo (PR).

No caso em questão, o primeiro círculo restaurativo, realizado em novembro de 2016, durou cerca de três horas e, 60 dias depois, houve o segundo encontro com cerca de duas horas de duração. Segundo o magistrado, terminado o processo a menina agredida deixou o papel de vítima assumindo corresponsabilidade pelo ocorrido e o sentimento de vergonha foi substituído pelo de satisfação em ter superado o seu drama pessoal. “Ela declarou que se sentiria até mal se às agressoras fosse aplicada medida de prestação de serviços pelo ato, o que em nada a teria ajudado”, lembra o juiz.

As agressoras, por sua vez, exerceram empatia, entenderam o impacto de suas condutas na vida da colega, assumiram efetiva responsabilidade e demonstraram arrependimento. “Buscaram melhores planos de vida, com encaminhamento ao Programa Jovem Aprendiz, comprometendo-se com a própria vida e socioeducação. As três, apesar de não terem restabelecido uma amizade, puderam expressar-se e manter um relacionamento respeitoso e cordial. Com isso, foi aplicada a remissão, com base no termo de acordo restaurativo, com extinção do processo”, conclui o juiz.

A Justiça Restaurativa começou a ser usada na comarca paranaense em 2014 e, desde então, foram feitos 25 círculos para casos relacionados à prática de atos infracionais. Além de ser aplicada em casos pontuais, entre vítima e agressor, a técnica é amplamente usada no Centro de Socioeducação, que aplica os conceitos, princípios e métodos em outras frentes.

“Já aplicamos as práticas a casos que, em tese, são de menor potencial ofensivo até ocorrências mais graves, como roubos. Se o caso for tratado com profissionalismo e atenção, por equipe bem capacitada, a lesividade da conduta, por si só, não deve ser critério para exclusão ou inclusão de casos nas práticas restaurativas”, diz Rodrigo Dias.

Em Toledo/PR, a Justiça Restaurativa é usada justamente para trabalhar e fortalecer os relacionamentos dos jovens em diferentes frentes. O projeto Paternidade Responsável, por exemplo, envolve os adolescentes internados com as futuras mães de seus filhos, enquanto o Saídas Externas visa preparar os jovens para os fins de semana em que são liberados para passar com os familiares.

TJ-RJ

Apesar de ser usada há mais de uma década no Brasil, até 2016, apenas seis tribunais de Justiça executavam a prática. Em maio do ano passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a Resolução n.225, que apresentou as diretrizes para implementação e difusão da Justiça Restaurativa no Poder Judiciário. No mesmo ano, uma das Metas Nacionais (Meta 8) tratou justamente do tema, com a determinação da implementação de projetos com equipe capacitada para oferecer essas práticas a partir da criação de pelo menos uma unidade para esse fim.

Foi justamente na busca para cumprir essa meta que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) deu início à implantação do Núcleo de Justiça Restaurativa, sob o comando da Coordenadoria Judiciária de Articulação das Varas da Infância e Juventude e Idoso (Cevij). As primeiras reuniões de planejamento começaram em maio de 2016 e, em janeiro deste ano, o núcleo começou a funcionar.

“Vamos colher os frutos dessa iniciativa daqui a 10 anos. Trata-se de uma mudança de cultura, em que a punição não se baseia apenas na restrição de liberdade”, afirma a juíza Vanessa Cavalieri, titular da Vara da Infância e Juventude de Competência Infracional do Rio de Janeiro, responsável pelo projeto.

Com duas facilitadoras treinadas para conduzir círculos restaurativos, desde o início do ano, 15 casos já foram encaminhados para o núcleo, que atua em parceria com vários segmentos da rede de proteção à criança e ao adolescente, a exemplo do Ministério Público (MP), do Conselho Tutelar e da Guarda Municipal. “Estamos pensando juntos um modelo. Em muitos casos, o próprio MP entende não se tratar de caso de judicialização e encaminho ao núcleo”, diz a magistrada.

Em média, 400 adolescentes são apreendidos mensalmente na cidade do Rio de Janeiro. Apesar de destacar que a metodologia não pode ser aplicada em 100% dos processos, Vanessa Cavalieri afirma que, em muitos casos, a própria vítima de um ato infracional entende que o caráter meramente punitivo não trará qualquer benefício e buscam uma solução capaz de transformar a realidade daquele adolescente. “A Justiça Restaurativa é uma nova forma de ver a Justiça penal e temos conseguido resultados muito positivos”, finaliza.