A Justiça Eleitoral e o primeiro Código Eleitoral brasileiro completam 82 anos na segunda-feira (24). A criação de ambos remonta a 1932 e traduz uma história de lutas e vitórias pela consolidação do voto popular e da democracia.
Este ramo de Justiça Especializada surgiu da ideia de se criar uma instituição para cuidar exclusivamente da organização e coordenação das eleições. Um dos objetivos da Revolução de 1930 foi justamente o de modernizar o sistema eleitoral e reduzir a possibilidade de fraudes.
O primeiro Código Eleitoral criou a Justiça Eleitoral com a finalidade de conduzir todo o processo das eleições. Em 20 de maio de 1932, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) instalava-se em um prédio na Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro.
Voto e cidadania
O Código Eleitoral de 1932 trouxe inovações importantes para a realidade brasileira. Adotou o voto secreto, o alistamento feminino e o sistema de representação proporcional. Atribuiu à Justiça Eleitoral a responsabilidade de organizar o processo eleitoral, incluindo o alistamento de eleitores, a organização das mesas de votação, a apuração dos votos, o reconhecimento e a proclamação dos eleitos.
Pela primeira vez, a legislação eleitoral do país mencionou os partidos políticos, sem admitir a candidatura avulsa. Outra inovação: o artigo 57 do Código já previa o uso de uma máquina de votar, o que somente aconteceria 60 anos depois, com a introdução da urna eletrônica a partir das eleições de 1996. O Código também criou os Tribunais Regionais Eleitorais.
Com a introdução do Estado Novo a partir de novembro de 1937, a Constituição, conhecida como “Polaca”, extinguiu a Justiça Eleitoral no país, aboliu os partidos, suspendeu as eleições livres e estabeleceu a eleição indireta para presidente da República com mandato de seis anos.
Com a deposição de Getúlio Vargas, em 29 de outubro de 1945, por um golpe que uniu a oposição aos militares, veio a Lei Agamenon. O Código Eleitoral de 1945 restabeleceu definitivamente a Justiça Eleitoral no Brasil, encarregando-a de novamente organizar o alistamento eleitoral e as eleições. O Tribunal Superior Eleitoral foi novamente instalado, no Rio de Janeiro, onde permaneceu até 1960, quando foi transferido para Brasília, recém-inaugurada. Em 1965, entrou em vigor o novo Código Eleitoral (Lei nº 4.737), que permanece até hoje.
O Código de 1932 tinha 144 artigos. Já o Código de 1965 foi publicado em 15 de julho daquele ano com 383 artigos. Após a redemocratização, diversas leis foram aprovadas pelo Congresso Nacional para aperfeiçoar o processo eleitoral, como a Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/1995), a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), a Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar nº 64/1990) e a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010), além das diversas resoluções aprovadas pelo TSE para cada eleição.
Código avançado
Para Ricardo Caldas, cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB), o Código Eleitoral brasileiro de 1932 é considerado um código avançado porque instituiu o voto secreto, incluiu a questão do voto feminino, consolidou o voto proporcional e começou a discutir a questão das máquinas de votar. “Os EUA já tinham começado a adotar, já existia essa invenção, mas ainda não havia se popularizado, mas o Brasil estava ciente de sua existência, tanto é que ela já é mencionada como uma espécie de previsão”, destacou.
O professor ressalta também que o Código nacionalizou as regras eleitorais. “No Brasil, a partir de 1932, a questão eleitoral passa a ser uma questão nacional. Então, os Estados não podem legislar sobre temas nacionais como o sistema eleitoral”, lembrou o cientista político.
Tribunal da Democracia
Após sua reinstalação em 1945, a Justiça Eleitoral teve como uma de suas atividades primordiais conscientizar os cidadãos sobre a importância do voto para o fortalecimento da democracia. A nova Constituição, promulgada em 1946, fixou a Justiça Eleitoral como um dos órgãos do Poder Judiciário.
Em abril de 1960, o TSE foi transferido para Brasília. O período do regime militar, de 1964 a 1985, foi marcado por uma série de atos institucionais, pelos quais a nova ordem exerceu o controle do processo eleitoral.
A redemocratização do país a partir de meados da década de 1980 trouxe uma nova etapa na história da Justiça Eleitoral. Após intensa mobilização popular por eleições diretas, Tancredo Neves foi eleito presidente da República por um colégio eleitoral em janeiro de 1985, mas não chegou a tomar posse. Com a morte de Tancredo, seu vice, José Sarney, assumiu a Presidência da República. O país passou a viver o desmonte da legislação do regime militar. Uma das mudanças jurídicas mais relevantes foi a promulgação da Emenda Constitucional nº 25, que restabeleceu eleições diretas para presidente e vice-presidente da República.
Uma nova Constituição, que espelhasse a redemocratização conquistada e os avanços sociais, passou a ser necessária. Com o fim dos trabalhos da Assembleia Constituinte, a Constituição Cidadã foi promulgada em 5 de outubro de 1988. A Carta estabeleceu a eleição direta para presidente, governador, prefeito, senador, deputado federal, deputado estadual/distrital e vereador. Adotou o referendo e o plebiscito como formas de participação popular e fixou o voto facultativo para os analfabetos, jovens de 16 e 17 anos e para aqueles com mais de 70 anos.
Unificação do cadastro e urna eletrônica
A partir da segunda metade da década de 1980, a Justiça Eleitoral experimentou inúmeros avanços. Em 1986, foi criado o Cadastro Nacional de Eleitores, com a unificação dos dados da área. Assim, o registro das informações dos cidadãos deixou de ser feito em papel pelos Estados.
Nas eleições de 1996, os eleitores das capitais e dos municípios com mais de 200 mil eleitores passaram a votar em urnas eletrônicas. Nas eleições municipais seguintes, em 2000, todos os eleitores brasileiros já votavam nesses equipamentos, fato ainda inédito no mundo com relação a um órgão eleitoral.
Após a implantação do sistema eletrônico de votação, a Justiça Eleitoral passou a direcionar seus esforços também para o recadastramento gradual dos eleitores por meio da identificação biométrica (impressões digitais) e uso de satélites para a transmissão dos resultados das eleições de locais distantes de forma cada vez mais rápida. Hoje, o sistema eletrônico de votação brasileiro é uma referência em todo o mundo.
Fonte: TSE