*Valor Econômico
Empresas têm conseguido na Justiça anular autuações fiscais com base em norma que permite a aplicação da jurisprudência da época das cobranças. Depois do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), foi a vez do TJ-RJ adotar entendimento favorável ao contribuinte. No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), porém, a Câmara Superior – última instância do órgão – não tem aceitado a argumentação.
Os pedidos têm sido fundamentados no artigo 24 da Lei nº 13.655, de 2018, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). O dispositivo diz que “a revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época”.
A tese, segundo advogados, tem sido melhor aceita no Judiciário. “As decisões de São Paulo e do Rio já demonstram uma expectativa de que haverá uma aplicação maior no direito público”, diz o advogado tributarista Maurício Faro, do BMA Advogados. Ele acrescenta que, no Carf, só há, por enquanto, entendimento favorável de turma. “Na Câmara Superior, a tendência tem sido afastar sua aplicação.”
A decisão do TJ-RJ beneficia a GL Events, multinacional que administra os principais centros de convenções do Brasil (apelação cível nº 0302303-47.2016.8.19.0001). Ela conseguiu, na 17ª Câmara Cível, afastar cobrança de IPTU no valor de R$ 690 mil, referente ao Hotel Grand Mercure, construído na área do Riocentro – espaço para eventos na capital fluminense.
No processo, a GL Events alega que assinou, em 2006, um termo de concessão de uso de área no Riocentro pelo prazo de 50 anos e obteve autorização da prefeitura para a construção de um empreendimento hoteleiro. Desembolsou R$ 69,3 milhões pelo negócio. Porém, em 2016, foi surpreendida com a cobrança de IPTU, mesmo não sendo proprietária do terreno.
Em sua defesa, o município do Rio afirma que existe previsão no termo de concessão sobre o pagamento de tributos. E acrescenta que, se a tese prevalecer, ficará sem arrecadar IPTU por 41 anos, prazo restante da concessão, o que equivaleria a 142,8% do valor do imóvel.
Para a prefeitura, deveria ser aplicado ao caso decisão de 2017 do Supremo Tribunal Federal (STF). Em repercussão geral, os ministros definiram que “ incide o IPTU, considerado imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo” (RE 601.720).
Ao analisar o caso, porém, o relator, desembargador Elton Martinez Carvalho Leme, com base na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, levou em consideração a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), vigente à época da cobrança (Ag 658526 e REsp 1163 544). O entendimento pacificado pelo ministros é o de que o cessionário do direito de uso não pode ser contribuinte do IPTU, por figurar como mero detentor de coisa alheia.
O desembargador ainda destaca na decisão, que reformou entendimento da primeira instância, que não há previsão expressa no contrato de concessão de que haveria pagamento de IPTU. A cobrança de quase R$ 700 mil de IPTU por ano, acrescenta, poderia gerar um desequilíbrio contratual. Representaria, segundo ele, um custo adicional e não previsto de, no mínimo R$ 28 milhões, considerando-se os próximos 40 anos.