Não é apenas entre os cidadãos que os chamados “rolezinhos” — encontro de jovens em shoppings marcados por redes sociais — têm gerado discussões com posições antagônicas. No Judiciário, as liminares mostram que não há um único entendimento sobre a legalidade desses encontros.
Levantamento feito pela revista eletrônica Consultor Jurídico no Diário de Justiça de São Paulo mostra que no estado a tendência é o juiz acatar o pedido dos comerciantes. Dos 12 processos encontrados, apenas três pedidos de liminares foram indeferidos. Nos demais, o encontro foi proibido ou foi determinada multa em caso de turba. Já no Rio de Janeiro, de acordo com pesquisa feita no andamento processual no site do Tribunal de Justiça do estado, cinco shoppings entraram com pedido de liminar para proibir os encontros. Apenas um conseguiu — parcialmente — a proibição.
Em ambos os estados, os juízes levam em consideração o conflito entre os direitos dos grupos de se reunirem e o direito dos shoppings, seus usuários e trabalhadores. “Se os direitos de reunião e de livre manifestação estão previstos na Constituição Federal, é certo também que o mesmo diploma protege outros direitos igualmente relevantes, entre os quais os de livre locomoção, de exercício laboral, de propriedade e de segurança pública, daí a discussão”, escreve o juiz Mário Gaiara Neto, da 3ª Vara Cível de Sorocaba. Nessa situação, explica ele, deve ser analisado o caso concreto.
É nessa análise caso a caso que os juízes divergem. Em São Paulo, todos os juízes levaram em consideração o histórico dos encontros para tomar sua decisão. A diferença é que, enquanto alguns poucos entenderam que os casos de abusos como furtos e violência são fatos isolados, a maioria entendeu que os casos registrados justificam a liminar. Na argumentação, lembram que embora seja comércio destinado ao público em geral, os shoppings são pessoas jurídicas de direito privado, portanto, particular.
“O que vem ocorrendo hodiernamente no estado de São Paulo, é a reunião de centenas de pessoas para o que se convencionou denominar de “rolezinho”, nos quais muitas vezes são praticados atos ilícitos penais como atos de vandalismo (danos ao patrimônio), furtos, ameaças, impedindo que todos os comerciantes e comerciários exerçam livremente sua profissão, que os consumidores (frequentadores dos shoppings) exerçam seu direito de ir e vir dentro do estabelecimento privado que entendiam seguro para suas compras e lazer, tornando-se um caso de segurança pública. O direito à incolumidade física e psíquica dos comerciantes, comerciários e frequentadores mostra-se ameaçado. Referidas manifestações associativas não demonstraram fins pacíficos, bem como ter fim lícito”, conclui Fernanda de Carvalho Queiroz, da 5ª Vara Cível do Foro de Santana.
Para coibir a ação dos participantes dos “rolezinhos” os juízes têm estipulado uma multa — que varia de R$ 1 mil a R$ 10 mil — para cada participante identificado e que perturbe o bom funcionamento dos centro comerciais. “Defiro a liminar de interdito proibitório para que os réus e os líderes e aderentes do movimento se abstenham de praticar quaisquer atos de turbação da posse mansa e pacífica dos autores, em seus limites de propriedade, quer na parte interna, quer na parte externa, incluído estacionamento, sobretudo os atos que importem ameaça à segurança dos frequentadores e funcionários do shopping center, como aglomerações, tumultos, correria, arrastões, brigas, incluídas verbais, equipamentos de som em alto volume ou qualquer ato que perturbe o sossego e interfira no funcionamento regular do empreendimento”, registrou Luis Fernando Nardelli, da 3ª Vara Cível do Foro de Tauapé, determinando multa de R$ 10 mil para quem desobedecer.
Pedidos negados
Ao negar o pedido de um shopping de Campinas, o juiz Herivelto Araujo Godoy, da 8ª Vara Cível da cidade, explica que o movimento denominado “rolezinho” são encontros de jovens em grande número que assustam, “nem sempre com razão”, comerciantes e frequentadores habituais de shoppings.
“Com efeito, se é correto afirmar que distúrbios se verificaram em eventos semelhantes em outras cidades, também é cediço que muitos deles transcorreram de forma pacífica, sem a ocorrência de crimes, nada justificando o cerceamento prévio dos jovens. A questão refere-se, essencialmente, aos eventuais excessos, caracterizadores de atos ilegais, e o papel da Secretaria da Segurança Pública do Estado, a qual cumpre velar pela segurança da população e repressão da criminalidade, nos eventos em tela, e não de proteção possessória”, complementa Herivelto Godoy.
Em outra liminar de Campinas, o juiz Renato Siqueira de Pretto, da 1ª Vara Cível, também nega pedido de outro shopping. Segundo ele, no evento marcado pela internet não havia apologia à qualquer ato contrário à ordem pública. “Medidas preventivas podem ser tomadas pelas próprias requerentes, às quais se atribui, em seu estabelecimento, a manutenção da segurança, ex vi das normas constantes no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Ademais, dentro dessas medidas, poderão as requerentes comunicar o fato hostilizado à autoridade policial competente para, aferida a potencialidade do receio à segurança pública, provocar atuação conjunta para seu efetivo resguardo”, explicou, citando que medida semelhante já havia sido tomada e funcionado.
“Rolezinhos” fluminenses
No Rio de Janeiro o entendimento que prevalece é o de que os direitos de livre manifestação, de reunião pacífica, e de ir e vir, são garantias constitucionais. E, impedir esse movimento, com base apenas em boatos de violência é ilegal.
Para o juiz Alexandre Eduardo Scisinio, relator de um decisão de Niterói, todo e qualquer abuso deve ser combatido e evitado, mas não se pode pretender que o Judiciário substitua o Poder Público incumbido da garantia da Segurança Pública. “Se o tal movimento ‘rolezinho’, efetivamente vier a representar uma ameaça, compete então à Polícia agir, como assim recentemente fez, com competência, nos movimentos populares que se sucederam nas ruas das cidades de todo o país, combatendo eficazmente os atos de vandalismo. Como se viu, não houve proibição do desejo de reunião e manifestação de vontade, mas tão somente se reprimiu atos dos vândalos”.
Em outra decisão semelhante, a juíza Viviane Alonso Alkimim entendeu que a questão refere-se aos eventuais excessos, que caracterizam atos ilegais. E, o papel do Estado é velar pela segurança da população e repressão da criminalidade, nos eventos em que houver excesso e não de proteção possessóssória.
Proibição parcial
Uma única decisão conseguiu a proibição, ainda que parcialmente, dos “rolezinhos” no Rio de Janeiro. Nessa caso, a juíza Isabela Pessanha Chagaso determinou, em liminar, que os mais de 15 mil participantes confirmados para o “rolezinho” não façam a manifestação no shopping, sob pena de multa no valor de R$ 10 mil para cada manifestante. Além disso, designou dois oficiais de Justiça para ficar no local identificando os manifestantes.
A juíza levou em consideração o direito à livre manifestação e o direito de ir e vir, mas afirmou que tais direitos não podem colidir com os direitos de locomoção de outros, bem como o direito de trabalho. Além disso, afirmou que os shoppings são prédios privados e por isso deve-se garantir o direito de propriedade proibindo a ação de manifestantes que pretendam causar desordem pública, “facilitando a prática de atos de depredação, bem como a ocorrência de furtos de bens, violando o direito de lojistas”.
A integridade física de consumidores também foi citada pela juíza. Segundo ela, o manifesto pode colocar em risco a integriade física de consumidores e de seus familiares.
Entretanto, um dia depois desta decisão, a mesma juíza indeferiu o pedido de liminar em ação de interdito proibitório feita porum outro shopping, porque, segundo ela, na primeira decisão havia configurados a fumaça do bom direito e o perigo de lesão pela demora da prestação jurisdicional, uma vez que era certo que um grupo de mais de 15 mil já teriam confirmado participação no movimento, o que, “pelas razões expostas, ameaçaria a segurança, a ordem e a paz social, até mesmo pela delimitação de espaço a comportar tamanho público”, afirmou.
Entretanto, entendeu que as decisões judiciais não podem ser pautadas por simples pressuposição de que o grupo pudesse pretender também ingressar no shopping autor da ação. “O Judiciário não se ocupa de teses e/ou elucubrações, mas sim de fatos. Não resta dúvidas de que o Shopping Autor possa acautelar-se de eventuais problemas que possam ocorrer, todavia, deverá fazê-lo através de sua segurança privada”, afirmou.
Fonte: ConJur