AMAERJ | 03 de abril de 2018 14:09

‘Menos de 8% dos participantes da Escola de Homens reincidem em violência’, diz Octávio Chagas

*TJ-RJ

FOTO: ASCOM/Prefeitura de Nova Iguaçu

Prevista na Lei Maria da Penha, a Escola de Homens tem como objetivo reeducar aqueles que cometeram crimes de menor potencial contra mulheres. É do presidente da Regional de Nova Iguaçu da AMAERJ, juiz Octavio Chagas, a decisão de encaminhar réus para os grupos reflexivos. Em entrevista, o titular do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Nova Iguaçu conta como funciona a escola, fala dos resultados obtidos e comemora a baixíssima taxa de reincidência.

“A Escola de Homens foi pensada para homens que não cometeram crimes hediondos. Cometem, sim, atos como assédio moral. E o melhor resultado é que não ocorra reincidência. Hoje, ela é menor que 8%”, afirmou o juiz ao TJ-RJ.

A Escola de Homens é um projeto que está previsto na Lei Maria da Penha e já é uma realidade em Nova Iguaçu e Mesquita há oito anos. Como tem sido esse trabalho? Quais são os resultados?

Juiz Octávio Chagas: O projeto começou com um apoio local na época, da comarca de Nova Iguaçu onde nós inauguramos esse projeto com apoio não só do Juizado, do Tribunal de Justiça, mas da comunidade jurídica local: Ministério Público, Defensoria Pública, a própria Ordem dos Advogados local. Iniciamos com a meta de tentar diminuir a violência contra a mulher. É um tratamento que se dá aos homens, previsto em lei, objetivando educá-lo. Nós trabalhamos com nove encontros. No primeiro há uma entrevista com uma equipe multidisciplinar do TJ-RJ, formada por psicólogos, assistentes sociais, onde o suposto autor do fato é entrevistado para verificar se ele tem o perfil para participar do grupo de reflexão da Escola de Homens.

Em geral, qual é o perfil desse aluno?

Octávio Chagas: Embora os casos sejam democráticos por abranger todas as classes sociais, em geral, o integrante da Escola de Homens é um cidadão de classe D ou E, com ensino fundamental e responsável pelo sustento da família. Em geral, 95% dos participantes têm esse perfil.

Esses encontros possuem uma didática capaz de gerar que tipo de produtividade? Qual é a metodologia?

Octávio Chagas: O primeiro encontro vai tratar de assuntos relacionados a questões familiares, o segundo trata de alcoolismo e drogas. O terceiro encontro, sobre questão de gênero, o quarto sobre sexualidade. Há um encontro intermediário onde se faz uma reflexão com os participantes, onde eles podem expor as suas situações. Há um sexto encontro, no qual participa um advogado que vai especificar a lei. O sétimo encontro aborda a questão da responsabilidade, porque esses homens, tendo em vista o perfil deles, são na verdade os arrimos (pessoa responsável pelo sustento de uma família). Por conta disso, a estatística é fundamental para se tentar verificar qual o perfil do cidadão, do homem e da mulher de Nova Iguaçu. Encaminhamos aos órgãos e à rede de proteção pra tentar afastar o homem dessa espiral de violência. E ao fim é tratada a questão hierárquica, essa relação patriarcal que existe ainda na nossa sociedade.

A Lei Maria da Penha não especifica crimes, quem lida com isso é o Código Penal. Mas vocês trabalham principalmente com homens que cometeram crimes de menor potencial.

Octávio Chagas: A Escola de Homens foi pensada para homens que não cometeram crimes hediondos. Cometem, sim, atos como assédio moral. Não tem réus que cometeram feminicídio, estupro, nada disso. E o melhor resultado é que não ocorra reincidência. Hoje, ela é menor que 8%. Tanto é que quando eu realizo uma audiência especial ou uma audiência de julgamento e consta na ata de audiência que ele já participou da Escola de Homens, isso me chama atenção. Porque eu tenho no meu juizado toda uma metodologia especial de realização de audiências.

Poderia explicar?

Octávio Chagas: Nas situações de medidas protetivas, quando é necessário um afastamento do lar e não há nos autos elementos suficientes para que eu afaste o homem de casa, eu faço uma audiência especial. Em toda e qualquer audiência, minha equipe técnica ouve a vítima antes, ainda que no processo haja um relatório da equipe multidisciplinar. Faço isso porque muitas vezes já houve uma pacificação do conflito, a mulher não mais tem o desejo que aquele homem saia de casa e aí entra a Escola de Homens para dar o suporte. Eu deixo de aplicar a medida protetiva. No entanto, o homem vai ter que participar da escola.

É uma metodologia que criei desde quando eu entrei lá [no Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Nova Iguaçu] e tem dado certo. A secretária do juízo tem que fazer um resumo das audiências, eu recebo esse resumo 24 horas antes e quando faço audiência já conheço o processo, as partes, os pedidos, os documentos que compõem os autos, resultado de exame de corpo de delito, ficha de antecedentes criminais do agressor. É uma metodologia diferenciada. No dia da audiência, esse resumo é entregue para a equipe que está presente e que irá ouvir as vítimas, para o Ministério Público e para a Defensoria Pública. Ou seja, todos conhecem o processo.

Como se dá a mudança de comportamento dele homem durante as aulas?

Octávio Chagas: Na Escola de Homens, 85% das palestras são feitas por mulheres, então eu criei alguns protocolos: sempre há um policial militar por perto para que os homens sintam que eles estão perante a justiça e a ordem. No início eles se sentem realmente envergonhados, mas na medida em que se desenvolvem as palestras e as conversas, esse acanhamento desaparece. É interessante porque muitas vezes eu não digo a data nem hora que vou, mas participo. Entro na sala e eles me reconhecem. Sou o juiz. Mas o reconhecimento daquele cidadão, daquela pessoa, de que não estamos ali para enxugar gelo, mas para tentar resolver um conflito, projetar a paz social, protegendo sempre a mulher, isso é o mais importante. Empoderar a mulher e educar o homem.

Fonte: TJ-RJ