Notícias | 25 de agosto de 2015 15:00

Juiz condena prática da PM de recolher crianças e adolescentes a caminho da praia

O juiz Pedro Henrique Alves, titular da 1ª Vara da Infância, Juventude e Idoso da capital, condenou nesta segunda-feira (24) a prática da Polícia Militar de recolher crianças e adolescentes que estavam a caminho da praia. A ação foi denunciada ontem pelo EXTRA. Apenas no último fim de semana, cerca de 160 jovens foram retirados de ônibus que saíram do subúrbio em direção à Zona Sul, segundo funcionários do Centro Integrado de Atendimento à Criança e ao Adolescente, em Laranjeiras.

– Esse procedimento da PM é ilegal. As crianças até 12 anos não têm o direito de ir e vir desacompanhadas, mas a partir dos 13 anos, têm sim. Temos que buscar uma alternativa para garantir os direitos das crianças e adolescente e também os da sociedade, que deseja segurança – explicou o juiz.

Nesta segunda-feira, durante uma cerimônia no Palácio Guanabara, em Laranjeiras, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, defendeu a atuação da PM. “Não achei (que passou do limite). Repercussão sempre dá, quando não age e quando age. Quantos arrastões nós tivemos praticados por alguns desses menores? Não estou falando que são todos que estavam ali, mas tem muitos deles que são mapeados. Se tiver algum excesso, vai ser coibido”, afirmou o governador ao site “G1”.

A prática da PM será discutida numa audiência marcada para a tarde da próxima quinta-feira. Participarão do encontro representantes da 1ª Vara da Infância, Juventude e Idoso, do Ministério Público estadual, PM, Polícia Civil, Defensoria Pública, Conselho Tutelar e prefeitura do Rio.

X., de 17 anos, e dois amigos, um da mesma idade e outro de 15, estão entre os jovens recolhidos no fim de semana. Seu irmão e outro colega, ambos de 19 anos, também foram abordados mas, como são maiores, acabaram na 12ª DP (Copacabana). O grupo saiu de Nova Iguaçu, na Baixada, às 9h30m de domingo. Pegou um trem até a Central do Brasil e, depois, um ônibus da linha 547 com destino à praia do Arpoador. Após passarem pelo Túnel Novo, a viagem foi interrompida.

– Os PMs entraram no ônibus e selecionaram quem eles queriam que saísse. Fomos nós cinco e mais dois. Achamos que seríamos revistados e depois nos liberariam, mas isso não aconteceu. Um policial disse que essa era a lei aqui de baixo, porque estava tendo muito roubo – relatou X.

Os jovens não têm dúvidas de que sofreram preconceito. Nenhum deles têm passagem pela polícia.

– Vimos quando os policiais revistaram uns playboys de prancha, e depois um grupo de quatro jovens brancos, que estavam em outro ônibus, mas eles foram liberados – relatou Y., irmão de X.

– A gente só queria ir à praia. Ficamos brincando que já dava para sentir o cheiro do mar. Acabamos perdendo o domingo todo. Ficamos revoltados – indignou-se Z.

Em nota, a assessoria de Imprensa da PM disse que as ações preventivas têm como objetivo “encaminhar para os abrigos da prefeitura crianças e adolescentes em situação de risco”. O texto diz ainda que muitos desses jovens, além de estarem nas ruas sem dinheiro para alimentação e transporte, apresentam “condição de extrema vulnerabilidade pela ausência de familiares ou responsáveis”.

Procurada pelo EXTRA, a Polícia Civil não informou se a Delegacia de Atendimento à Criança e Adolescente Vítima (Dcav) abriu inquérito para apurar possíveis crimes cometidos pelos policiais. O MP também não se pronunciou.

Informações

A Defensoria Pública solicitou nesta segunda-feira os registros dos adolescentes encaminhados ao Centro Integrado de Atendimento à Criança e ao Adolescente (Ciaca), em Laranjeiras, após terem sido recolhidos pela Polícia Militar, no domingo, quando iam à praia. O pedido foi feito durante com o secretário municipal de Desenvolvimento Social e vice-prefeito do Rio, Adilson Pires, que prometeu disponibilizar os termos de entrega dos jovens às suas famílias ainda nesta semana.

A documentação será juntada a um pedido de habeas corpus preventivo coletivo impetrado em maio na 1° Vara da Infância e Juventude e que ainda aguarda apreciação do juiz Pedro Henrique Alves.

A Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cededica), da Defensoria Pública, também pediu informações à PM para saber quem foi o responsável pela operação. Um ofício foi encaminhado à Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV) pedindo que a ocorrência seja registrada e a instauração de inquérito para investigar possíveis violações de direitos contra os jovens recolhidos.

— Vamos anexar o máximo de informações para mostrar que nossa alegação tem fundamento. Queremos impedir este tipo de abordagem seja feita. Os policiais não podem fundamentar suas ações em suposições. É impossível prever se adolescentes desarmados e sem drogas poderiam agir em desacordo com a lei — disse a defensora. Eufrásia informou que não há relatos violência contra os jovens, fora o constrangimento de terem de descer do coletivo, entrar em um veículo da PM e ser conduzido para averiguação.

A defensora destacou ainda que os adolescentes podem circular desacompanhados, conforme a legislação brasileira. Eufrásia pontuou que os jovens podem ser apreendidos apenas se estiverem cometendo ato infracional ou se houver decisão judicial fundamentada.

— Não houve nem registro na delegacia. Eles tiveram um dia de castigo — afirmou a defensora.

Fonte: Extra