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O Judiciário brasileiro tem ampliado os investimentos em inteligência artificial nos últimos anos, de forma que metade dos tribunais do país já usam este tipo de tecnologia. A descoberta é da pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que aponta que há 72 projetos diferentes, em diferentes fases de implementação.
A pesquisa contempla o Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Superior do Trabalho (TST), os tribunais de Justiça estaduais, os tribunais regionais federais e os tribunais regionais do trabalho, além do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O estudo Tecnologia Aplicada a Gestão de Conflitos no Poder Judiciário com ênfase em inteligência artificial, coordenada pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV (Ciapj), mostra a diversidade das ferramentas tecnológicas adotadas pelos tribunais, utilizadas para agilizar tanto atividades-meio quanto atividades-fim dos tribunais.
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Foram encontrados nos tribunais 27 projetos de inteligência artificial que ajudam a verificar se o caso se enquadra no artigo 332 do Código de Processo Civil, que prevê que o juiz julgará liminarmente improcedente pedidos que contrariem súmulas e teses do STF e do STJ, bem como se verificada a ocorrência da decadência ou prescrição.
Já outros 12 projetos servem para sugerir minutas para decisões e acórdãos. A pesquisa ainda aponta que há ao menos nove ferramentas de inteligência artificial que se dedicam a verificar a admissibilidade de recursos. Os principais objetivos dos tribunais na implementação de inteligência artificial foram a automação das atividades e a eficiência e produtividade, bem como garantir a celeridade processual.
Renata Braga, pesquisadora colaboradora e professora do curso de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) de Volta Redonda, diz que a pesquisa levou em conta tanto projetos que estão implementados quanto projetos-piloto ou em desenvolvimento. Boa parte deles, ela destaca, são relacionados a recursos e temas repetitivos, e temas de repercussão geral.
“Existe um esforço grande para lidar com demandas de massa, vemos isso desde os tribunais de Justiça até o STF. A questão da demanda de massa está muito presente em quase todos os locais”, afirma.
Cooperação
A pesquisadora também destaca como descoberta positiva a cooperação entre os tribunais, uma iniciativa muito incentivada pelo CNJ e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). “Geralmente, as pessoas querem um robô pra chamar de seu. Mas a gente identificou esse movimento no CSJT e no CNJ de cooperação, de integração entre os sistemas. Toda nossa pesquisa é trabalhada no valor da colaboração, é o que nos move. Conseguir identificar esse movimento na construção desses sistemas foi muito interessante”, elogia.
E a colaboração não é apenas entre os tribunais: boa parte dos projetos de inteligência artificial são frutos de termos de cooperação com universidades. A pesquisa identificou ao menos nove projetos desenvolvidos pelas equipes dos tribunais em parcerias com instituições de ensino superior.
Na prática, tribunais criam termos de cooperação com as universidades, com áreas do doutorado, mestrado ou graduação, e as duas partes têm o compartilhamento daquela construção, e o staff interno do tribunal se comunica com as equipes das universidades.
O desembargador do TJ-RJ Elton Leme é coordenador da pesquisa, e destaca a importância de pensar novas tecnologias em um Judiciário cujo volume de processos aumenta a cada ano, e que, assim como os outros Poderes, têm passado por restrições orçamentárias e tem diminuído as contratações de novos servidores.
Em sua visão, não há como se substituir o trabalho humano, mas ferramentas de inteligência artificial permitem que se economize tempo e dedicação em determinados processos internos dos tribunais. “Nós temos um limite concreto, não podemos aprovar em concurso público uma legião imensa de juízes porque os cofres públicos não conseguem absorver todo essa despesa com pessoal, então nós temos que, obrigatoriamente, buscar caminhos que equacionem esta realidade. E nós temos feito isso”, afirma Leme.
“O Judiciário, se fizer uma análise do passado recente, dos últimos 20 anos, a evolução do ponto de vista da metodologia de trabalho foi incrível. Há 20 anos, o processo de informatização estava começando. E de lá para cá já estamos falando de inteligência artificial. O fato é que nós temos conseguido evoluir muito do ponto de vista da metodologia de trabalho”.
Um bom exemplo encontrado pela pesquisa que Leme cita é o Horus, ferramenta de inteligência artificial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que possibilita um método de distribuição de ações que faz, em poucos minutos, o que levaria-se muitas horas para fazer.
“A meta era distribuir 48 mil execuções fiscais, e no mesmo tempo se distribuíram mais de 200 mil. A execução fiscal é um gargalo importante, que uma grande parcela das ações em curso na Justiça é relacionada à execução fiscal. E essa experiência foi muito bem sucedida na atividade meio, ou seja, fazer com que o processo cumpra muitas de suas etapas com rapidez e eficiência, até chegar no ponto do juiz decidir”, fala.
Outro exemplo bem sucedido de inteligência artificial no Judiciário é o Sócrates, do STJ, capaz de identificar grupos de processos similares em 100 mil processos, em menos de 15 minutos, bem como os demais processos que tratam da mesma matéria em um universo de 2 milhões de processos e 8 milhões de peças processuais, o que abrange todos os processos em tramitação no STJ e mais 4 anos de histórico, em 24 segundos.
Já no Tribunal de Justiça do Amazonas, há o Leia Peticionamento, que sugere ao advogado o tipo de petição intermediária correta a ser juntada, evitando erros de classificação. Houve redução de 90% da quantidade de petições erroneamente classificadas como genéricas.
Pesquisa contínua
Os estudos sobre a aplicação da inteligência artificial no Judiciário estão apenas no início. Isso porque a pesquisa da FGV vai ter novas fases, e a universidade quer incluir outras instituições de pesquisa e universidades e aprofundar a análise desse tema. A cada seis meses, a FGV deve colher e divulgar novos resultados, já que sempre há novas ferramentas em desenvolvimento para melhorar o Judiciário.
Nas próximas versões, os pesquisadores querem aprofundar os estudos sobre a normatização dessas tecnologias no Brasil, como a questão da transparência do algoritmo, além de questões éticas. Na Câmara dos Deputados, tramita um projeto de lei que quer instituir o Marco Legal da Inteligência Artificial no Brasil, proposto pelo deputado Eduardo Bismarck (PDT-SP), o PL 21/2020. A FGV espera contribuir para este projeto com notas técnicas.
Outro objetivo da pesquisa é analisar a possibilidade da ampliação das funcionalidades dos projetos já existentes, agregadas às plataformas de resolução consensual de conflitos.
“Em determinados TRTs, há um sistema de inteligência artificial que prevê a possibilidade de haver conciliação naquele processo. Nem todos os sistemas estão voltados para as fases processuais por si só. Queremos identificar de que maneira as plataformas de resolução consensual de conflitos vêm usando a inteligência artificial”, conta Renata Braga.