Artigos de Magistrados | 15 de setembro de 2022 15:14

Jornais publicam artigos do desembargador Wagner Cinelli

Placas em Itatiaia de combate à violência de gênero | Foto: Sonita Palmer

Os jornais “Monitor Mercantil” e “Diário do Vale” divulgaram, nesta quarta-feira (14), os artigos “Só meninos são bem-vindos?” e “As Placas de Itatiaia”, de autoria do desembargador Wagner Cinelli, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).

Nos textos, o magistrado aborda a discriminação de gênero e a realização de campanhas de conscientização das diversas formas de violência contra a mulher. Um dos exemplos citados por Wagner Cinelli é a campanha da prefeitura de Itatiaia (Sul Fluminense), que instalou 45 placas com mensagens de incentivo a denúncias contra ameaças e agressões.

Leia os artigos:

Só meninos são bem-vindos?

Estudava na Inglaterra em 1999 quando minha esposa ficou grávida de nosso primeiro filho. Felizes, devoramos o livro O que esperar quando você está esperando e passamos a frequentar o centro médico mais próximo de nossa casa. Ao indagarmos a doutora se no exame de ultrassonografia poderíamos saber o sexo da criança, respondeu negativamente. No caso, a impossibilidade não era técnica, mas decorrente de uma política pública. Explicou-nos que havia pessoas pertencentes a culturas que preferem filhos homens e, quando descobriam que o feto era do sexo feminino, partiam para o aborto. O sistema de saúde inglês, considerando esse fato, teve que determinar se essa informação sobre o bebê seria partilhada ou negada. Escolheu a segunda opção.

Com efeito, a seleção de crianças baseada no sexo é uma realidade. O avanço tecnológico permitiu determiná-lo na concepção ou descobri-lo durante a gestação, mas já existia uma mortandade dirigida às meninas no pós-parto ou então eram simplesmente negligenciadas, não recebendo os mesmos cuidados dispensados aos meninos.

Essa mortalidade atribuída à negligência ou outras formas de seleção de sexo pós-natal ainda persiste. O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), em estudo sobre a morte de meninas com menos de 5 anos de idade, indica que, no grupo de países analisados, a Índia ostentava a mais alta taxa (11,7%), considerado o ano de 2012.

Técnicas de fertilização que determinam o sexo e também exames que permitem sabê-lo durante a gravidez são peças fundamentais para se entender a disparidade de nascimentos de meninas e meninos que é verificada em alguns lugares. O UNFPA aponta que é biologicamente esperado o nascimento de 102 a 106 meninos para cada 100 meninas. A Índia, no período de 2015–2017, apresentou a média de 111,6 meninos para 100 meninas. Portanto, números que denotam práticas de seleção por sexo, a privilegiar os meninos.

A China é outro país que vive esse desequilíbrio, e um dos motivos para a preferência pelo menino decorria da política do filho único, que perdurou de 1980 a 2015, juntamente com a expectativa de que o homem estaria mais apto do que a mulher para cuidar dos pais na velhice. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), de 2015–2017, a média de nascimentos na China foi de 112,9 meninos para 100 meninas. Logo, números ainda mais contundentes que os encontrados na Índia no mesmo intervalo.

O UNFPA assinala que tais práticas de seletividade representam na atualidade o “desaparecimento” de aproximadamente 140 milhões de meninas e mulheres, sendo que a liderança é exatamente dos dois países acima referidos, Índia e China. Aliás, liderança, mas não exclusividade.

A preferência com relação ao sexo da criança é uma forma de discriminação de gênero. Com o objetivo de combatê-la, organizações internacionais têm trabalhado com diversos países visando à conscientização de suas populações, de maneira que a igualdade se realize desde antes do nascimento, a permitir que as meninas sejam tão bem-vindas quanto os meninos.

As Placas de Itatiaia

A Assembleia Geral da ONU, em 1979, aprovou a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, em inglês). Como o título indica, seu objetivo é que os Estados signatários – e nosso País é um deles – adotem medidas em favor da igualdade de gênero e do empoderamento feminino.

A estrada para o atingimento dessa meta é longa. Tanto assim que já se passaram mais de 40 anos desde sua aprovação e a questão segue atual. No Brasil, além de contínuas alterações na legislação penal para maior proteção à mulher, um marco em favor dessa pauta foi a edição da Lei Maria da Penha, em 2006.

Fato é que não ficamos um dia sem notícias de tragédias que vitimam mulheres por serem mulheres. Por isso, é necessário insistir no debate até que alcancemos a almejada igualdade. Estudos e pesquisas sobre a violência de gênero contribuem para conhecermos melhor essa realidade e, assim, desenvolvermos políticas públicas eficientes.

“Visível e Invisível”, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em conjunto com o Datafolha, é uma dessas pesquisas. Baseada em entrevistas feitas em maio de 2021, apontou que 25% das mulheres de 16 anos ou mais tinham sido vítimas de algum tipo de violência nos últimos 12 meses no Brasil, a confirmar algo já bem sabido, que é serem as mulheres um grupo vulnerável à violência.

Vejamos um outro dado dessa enquete, revelador de algo menos sabido, que são as cifras a respeito da atitude da vítima diante das agressões mais graves: 12% buscaram a delegacia da mulher, 7% foram a outras delegacias, 7% acionaram a PM, 2% ligaram para o 180, 22% procuraram ajuda na família, 13% recorreram a amigos e 45% não fizeram nada. De fato, essa estatística revela uma informação importante, que é a baixa procura das instituições pelas vítimas, notadamente pelo somatório desses três últimos grupos (80%), que recorreram a parentes e amigos ou simplesmente nada fizeram. Logo, um número significativo de mulheres vítimas que não procuraram as instituições ou canais oficiais.

Decerto que há um aspecto cultural que contribui para essa situação. Afinal, algumas vítimas afirmam não confiarem nas instituições e outras temem sofrer revitimização, entre outros fatores. A chave, portanto, é mudar a cultura. Não é fácil, mas é possível, e um dos caminhos são as campanhas públicas.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos sempre promove ações de conscientização através da televisão e também das redes sociais. Neste 2022, lançou a campanha “Agosto Lilás”, voltada para a conscientização pelo fim das diversas formas de violência de gênero. Alguns estados e municípios também promovem realizações semelhantes.

Mas a verdade é que precisamos de mais campanhas e, no último dia 8 de setembro, o Município de Itatiaia, no Rio de Janeiro, por sua Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres, lançou “Placas Conscientizadoras”, iniciativa pioneira que tem como principal linha de atuação a instalação de placas com frases contra a violência e pela isonomia de gênero, como “Não se cale. Denuncie a violência contra a mulher!”, “Itatiaia pela igualdade de gênero” e “Basta de violência contra a mulher”. Assemelham-se a placas de trânsito e ficam ali, integradas ao mobiliário urbano, passando suas mensagens de forma permanente, como se fossem mini outdoors, a inspirar as pessoas a pensarem sobre tudo isso.

O debate é fundamental para o enfrentamento da violência de gênero, pois propicia o surgimento de novas ideias, como as “Placas Conscientizadoras”, ficando aqui a torcida de que sejam reproduzidas pelos municípios Brasil afora porque, como dito, mudar a cultura não é fácil, mas é para lá de urgente.

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