Escrito pelo desembargador do TJ-RJ Marco Aurélio Bezerra de Melo (16ª Câmara Cível), o artigo “Consciência negra e os quilombos no Brasil” foi publicado na terça-feira (20), Dia da Consciência Negra, no Jornal do Brasil.
“O poder constituinte soberano que se formou no ano de 1987 andou bem em reconhecer que era importante dar visibilidade ao fato histórico dos quilombos e dignidade à etnia africana que, ao lado de outras culturas, contribuiu para a formação do processo civilizatório nacional, gozando de proteção constitucional no tocante aos seus modos de criar, fazer e viver e, para esse fim, é fundamental a preservação do território”, ressaltou.
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Leia abaixo o artigo:
Consciência negra e os quilombos no Brasil
O Quilombo dos Palmares se formou a partir de escravizados que fugiram de seus senhores e se estabeleceram na Zona da Mata nordestina no início do século 17, criando uma rede de outros 12 quilombos que, segundo algumas fontes, chegou a ter mais de 20 mil habitantes, formando, ainda que simbolicamente, o primeiro Estado independente do Brasil. Havia poder político de comando, defesa militar e autossuficiência na produção de gêneros alimentícios. A morte do chefe Zumbi dos Palmares, substituto de seu tio Ganga Zumba, se deu no dia 20 de novembro de 1695, data em que se comemora o Dia da Consciência Negra. Barbaramente, a cabeça de Zumbi foi cortada, salgada e levada para Recife, onde acabou exposta em praça pública com os seguintes dizeres: “Para satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e para atemorizar os negros que achavam que ele era imortal”.
Durante cerca de 350 anos de escravatura, a formação de quilombos mostrou-se uma constante, pois onde há a tirania do regime econômico escravocrata haverá a tentativa de fuga, já que a busca da liberdade se constitui em um direito natural do homem. Tanto que o ato de se aquilombar ocorreu em outros pontos, recebendo os nomes de palenques nas colônias espanholas, marrons nas inglesas e grand marronage nas francesas. Segundo historiadores contemporâneos, 15 milhões de africanos foram arrancados de suas terras para a América, sendo que 40% foram trazidos para o trabalho servil no Brasil, no que se chama de diáspora africana. Apenas para que se tenha uma noção de grandeza, no primeiro censo realizado em 1872, chegou-se a um número de 9.930.478 habitantes no Brasil.
O poder constituinte soberano que se formou no ano de 1987 andou bem em reconhecer que era importante dar visibilidade ao fato histórico dos quilombos e dignidade à etnia africana que, ao lado de outras culturas, contribuiu para a formação do processo civilizatório nacional, gozando de proteção constitucional no tocante aos seus modos de criar, fazer e viver e, para esse fim, é fundamental a preservação do território.
Nessa linha, a Constituição estabeleceu que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Trata-se de decisão típica de uma sociedade pluriétnica e que sinaliza a importância de resgatar um passado histórico hediondo de escravidão e que sonegou, sobretudo, à população negra o acesso à terra formal, dentre outros direitos sociais básicos.
Nesse sentido, o governo brasileiro já reconheceu, por meio de laudos antropológicos e históricos, que há mais de três mil quilombos remanescentes no Brasil e pouco mais de cem tiveram o reconhecimento da propriedade, gerando insegurança, violência no campo e dificuldade de emancipação social de tais comunidades. O fato é que contamos, nesse caso, com uma pífia efetividade constitucional de pouco mais de 3% em 30 anos de vigência da Constituição. Entretanto, o momento não poderia ser mais auspicioso para superar essa lamentável ineficácia social da nossa lei maior. Em primeiro lugar, porque o STF reconheceu em 08/02/2018 a validade do decreto federal que se propõe a tornar efetivo esse comando e, em segundo, em razão do compromisso declarado dos futuros delegatários do poder central de cumprimento da Constituição da República de 1988.