* Folha de S.Paulo
Autora da decisão de bloquear o WhatsApp em todo o país, a juíza Daniela Barbosa Assumpção de Souza, da 2° Vara Criminal de Duque de Caxias, no Rio, disse que o aplicativo tornou-se ferramenta de criminosos por limitar as possibilidades de rastreá-los.
“É comum a interceptação telefônica flagrar um suspeito dizer ao outro para tratarem determinado assunto no WhatsApp, porque sabem que no aplicativo ficam impunes”, afirmou.
Falando à Folha antes da decisão do Supremo Tribunal Federal que reverteu o bloqueio do aplicativo, a juíza disse considerar normal ter suas decisões reformadas, mas lamentou o que viu como um fortalecimento da posição da empresa proprietária do WhatsApp, o Facebook.
“Estou acostumada com reforma de decisões, isso faz parte da magistratura. Mas a gente lamenta algumas vezes, sobretudo quando fortalece uma empresa que descumpre decisões judiciais reiteradamente. Isso desautoriza muito a primeira instância e dá mais força para quem descumpre a lei”, disse a magistrada.
Segundo Barbosa, mesmo antes da reversão do bloqueio, a investigação já estava prejudicada, porque os policiais continuam sem acesso às informações e, agora, os criminosos sabem que há uma apuração em andamento.
“Muitos dados vão se perder e pessoas deixarão de ser identificadas. Estamos tentando minimizar a perda, ao não publicar o número do inquérito e deixar de divulgar o tipo de crime. Mas certamente haverá perdas.”
A magistrada afirmou que o Facebook foi notificado três vezes e mesmo assim não cumpriu a decisão de interceptar as conversas no aplicativo.
“A empresa recebe ofício de uma autoridade de um país onde possui empresa extremamente lucrativa e não cumpre a decisão. E ainda pede para ser comunicada em inglês e faz perguntas inapropriadas sobre a investigação em andamento. Isso não é agir com o devido respeito. É tratar o Brasil como republiqueta.”
Os pedidos de acesso aos dados foram feitos pelo Ministério Público e pela Polícia Civil e, segundo a juíza, os peritos alegam ser possível interceptar as mensagens no momento em que elas são transmitidas pelo WhatsApp, antes de serem criptografadas.
Este pedido diferiu dos anteriores, nos quais os juízes que também bloquearam o WhatsApp pediam acesso a mensagens passadas.
“A lei brasileira determina que a interceptação deve ser feita somente a partir da decisão judicial. Só após a decisão devidamente fundamentada que o sigilo pode ser quebrado, do mesmo jeito que ocorre com as ligações telefônicas”, disse.
KATE MAHONEY
Conhecida como linha-dura, Daniela Barbosa ganhou destaque por tomar decisões que atingem grupos poderosos.
Juíza há 14 anos, Barbosa começou a carreira como serventuária do TJ-RJ, em uma Vara de Família, onde denunciou a chefe do cartório por receber propina de advogados para agilizar processos.
Transferiu-se para a 36ª Vara Criminal, auxiliando a então juíza Kátia Jangutta. Após se tornar magistrada, atuou nas comarcas de Magé e Teresópolis, coordenou a propaganda eleitoral do TRE em 2014 e foi juíza na VEP.
“Eu diria que ela é destemida, firme e corajosa. Mais uma vez ela deu uma decisão judicial completamente embasada em fundamentos legais, pois havia uma insistência no descumprimento das ordens da Justiça”, disse a presidente da Amaerj (Associação dos Magistrados do Rio), Renata Gil. A entidade emitiu nota em apoio à juíza.
Entre seus atos de maior destaque estão a condenação do irmão do ex-governador do Rio Anthony Garotinho e de outros 13 acusados no caso conhecido como “Meninas de Guarus”, que envolveu exploração sexual de crianças e adolescentes em Campos dos Goytacazes (RJ).
No ano passado, após cortar regalias dos policiais presos no Batalhão Especial Prisional do Rio. A magistrada chegou a ser agredida durante uma vistoria no local.
Devido à sua coragem, ficou conhecida no Judiciário como Kate Mahoney, em referência à protagonista do seriado americano “Dama de Ouro”, exibido na década de 1980.
“Esse apelido surgiu nas eleições de 2008, em Teresópolis, quando nossa atuação levou à prisão várias pessoas, inclusive um ex-prefeito envolvido com contravenção. Hoje em dia ninguém me chama assim, mas a imprensa sempre repete essa história. Eu não gosto muito.”
Fonte: Folha de S.Paulo