AMAERJ | 20 de maio de 2019 11:05

Felipe Gonçalves fala a ‘O Globo’ sobre projeto de colegiado de juízes

Juiz Felipe Gonçalves – Foto Alexandre Campbell

Um projeto do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) prevê a criação da primeira vara estadual especializada em combate à corrupção, lavagem de dinheiro e organizações criminosas. De acordo com a proposta, um grupo de juízes será designado para atuar em processos envolvendo quadrilhas de tráfico ou grupos paramilitares. O juiz Felipe Gonçalves (2º secretário da AMAERJ) falou sobre o tema em reportagem publicada nesta segunda-feira (20) no jornal “O Globo”.

Ameaçado de morte enquanto atuava nas comarcas de Maricá e Magé, Felipe Gonçalves participou da comissão de estudos para a criação da vara especializada.

“Em Magé, passei três anos com escolta. A liberdade fica restrita, e a intimidade, invadida. Você acaba pagando a pena junto com o condenado”, afirmou o magistrado, que atualmente trabalha em Belford Roxo. município na Baixada Fluminense.

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De acordo com a pesquisa da AMB “Quem somos. A magistratura que queremos”, para melhorar sua segurança os juízes consideram importante a efetivação de colegiados para análise de crimes de maior gravidade.

Confira abaixo a reportagem completa do “O Globo”:

Justiça do Rio terá ‘juízes sem rosto’ para enfrentar o crime organizado

Com 21 juízes ameaçados de morte e vivendo sob proteção policial, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio vai mudar, pela primeira vez em anos, toda a sua dinâmica de funcionamento. Diante do forte avanço da violência, insuflada sobretudo pelo avanço do fenômeno das milícias, o Judiciário fluminense vai criar a primeira vara estadual especializada em combate à corrupção, lavagem de dinheiro e organizações criminosas. Por uma questão de segurança, em vez de um único magistrado julgar, como acontece normalmente, um grupo de juízes será designado para atuar em processos envolvendo quadrilhas de tráfico ou grupos paramilitares. A ideia, que ficou conhecida como “Justiça sem rosto”, se inspirou nos colegiados judiciais da Itália, que agiram contra máfia, e que foram depois reproduzidos na Colômbia nos anos 1990 para enfrentar a ascensão do narcotráfico.

A mudança prevê que os colegiados sejam formados por três juízes, que não serão identificados durante o processo, e, só ao final, assinam a sentença, o que reduz o foco de quando há um único julgador. A proposta já foi aprovada por uma comissão interna do Tribunal de Justiça e aguarda parecer legislativo, que está em andamento dentro da instituição. O presidente do TJ, desembargador Claudio de Mello Tavares, pretende submeter a proposta, ainda este mês ou no máximo no início de junho, aos 25 desembargadores do Órgão Especial.

— Eu preciso de 13 votos para a instalação. A criação de vara especializada hoje é fundamental. Nós temos que enfrentar com rigor o crime organizado, inclusive combatendo os milicianos, que hoje são o grande gargalo da segurança. Vimos agora um exemplo das consequências terríveis da atuação destas quadrilhas, no caso do desabamento dos prédios da Muzema — afirma o presidente do Tribunal de Justiça. — A milícia se expandiu para o comércio e lava dinheiro através de agências de carros, da construção civil. Está se tornando um “estado” dentro do estado. Mas, para tirar esses criminosos da rua, precisamos garantir a segurança dos juízes e de suas famílias.

Segundo o desembargador, com a expansão das milícias e do tráfico, juízes da Zona Oeste, da Baixada Fluminense e mesmo do interior passaram a sofrer mais ameaças de morte. Inicialmente, a vara especializada deve assumir cerca de 400 ações que já tramitam atualmente no tribunal. Além das garantias à integridade dos magistrados, a iniciativa também deverá ter impacto sobre o andamento dos processos, já que, em muitas ações contra quadrilhas criminosas, chega-se a ter 20 réus. A expectativa do TJ é criar pelo menos cinco varas com juízes “sem rosto”:

— Nos processos em que o juiz já iniciou a audiência e ouviu o réu, testemunhas, há uma vedação legal para se fazer a transferência do processo para outro juízo. Mas, na maioria dos casos, será possível transferi-los às novas varas.

Caso Patrícia Acioli

Um ano após o assassinato da juíza Patrícia Acioli, a Lei 12.694/12 instituiu a possibilidade de colegiados em primeira instância, voltados para proteger a integridade física dos juízes, com julgamento por meio eletrônico ou em reuniões sigilosas, em casos de crime organizado. A magistrada foi executada na porta de casa, em 2011. Na época, ela era titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, onde analisava processos de corrupção e de homicídios cometidos por policiais. As investigações levaram à prisão 11 PMs, entre eles, o ex-tenente-coronel Cláudio Luiz Silva de Oliveira, condenado a 36 anos, que comandava o 7º BPM (São Gonçalo), onde trabalhavam os policiais que eram réus nos processos sob a responsabilidade da juíza.

Ameaçado de morte após passar por Maricá e Magé, o juiz Felipe Gonçalves, lotado em Belford Roxo, participou dos estudos para a criação da vara especializada:

— Em Magé, passei três anos com escolta. A liberdade fica restrita, e a intimidade, invadida. Você acaba pagando a pena junto com o condenado.

Desde 2016, o Conselho Nacional de Justiça recomenda a criação de varas especiais.