O juiz Rafael Estrela, titular da Vara de Execuções Penais (VEP), disse ao jornal O Globo, em reportagem publicada nesta terça-feira (26), que 85 presos de alta periculosidade podem deixar os presídios federais e voltar ao Rio, caso a Secretaria Estadual de Segurança não forneça à VEP argumentos convincentes para justificar a renovação da transferência. “Trabalho com o que me dão. Não posso sair por aí catando provas”, afirmou.
A renovação da permanência dos presos é feita a cada ano, como determina a legislação. Rafael Estrela reclama que, muitas vezes, o relatório de inteligência fornecido pela Secretaria de Segurança, no fim de cada prazo, é um “copia e cola” do ano anterior, sem acrescentar dados novos.
Leia abaixo a reportagem:
Falta investigação para manter 85 presos longe
Nos próximos dias, chegará ao gabinete do juiz Rafael Estrela o pedido de renovação da permanência do traficante Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha, na penitenciária federal de Porto Velho, em Rondônia. Titular da Vara de Execuções Penais (VEP) do Rio, Estrela não terá dificuldade de achar fundamento para manter Nem bem longe da Rocinha. O problema do magistrado é outro: existem hoje mais 85 presos de alta periculosidade do Rio em presídios federais que podem voltar a qualquer momento, caso a Secretaria Estadual de Segurança do Rio não forneça à VEP argumentos convincentes para justificar a renovação da transferência, exigida por lei a cada ano. Além de Nem, também estão fora do Rio Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP.
Embora evite antecipar uma decisão judicial, Rafael Estrela dificilmente negará a renovação de Nem. A própria defesa do traficante, ao condicionar a paz na Rocinha à volta de Nem ao Rio, forneceu uma motivação concreta para o preso continuar em Rondônia. O que tira o sono do juiz é a falta de subsídios legais para a renovação dos outros 85. Ele reclama que, muitas vezes, o relatório de inteligência fornecido pela Secretaria de Segurança, no fim de cada prazo, é um “copia e cola” do ano anterior, sem acrescentar dados novos. Estrela já recebeu, recentemente, pedidos que juntaram cópias de reportagens sobre o preso publicadas em 2004.
— Trabalho com o que me dão. Não posso sair por aí catando provas — lamenta o juiz.
Os presos transferidos do Rio estão espalhados pelas unidades federais de Porto Velho (RO), Mossoró (RN), Catanduvas (PR) e Campo Grande (MS). Como os relatórios são frágeis, algumas destas renovações provocam uma queda de braço entre Estrela e os juizes federais que respondem pela corregedoria destes presídios. Enquanto o magistrado fluminense esforça-se para mantê-los fora, os colegas federais querem mandá-los de volta ao Rio, alegando que não há requisitos técnicos para que eles continuem ocupando uma cela federal.
Cabe ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) dirimir os conflitos de competência entre os magistrados na questão dos presídios federais. Até o momento, a jurisprudência tem sido favorável aos juízes dos estados de origem dos presos. Pelo entendimento dos ministros, eles têm a palavra final sobre o destino dos presos. Mas Rafael Estrela disse que o STJ já começa a dar sinais de que pretende rever a decisão.
— Pelo menos um dos ministros do STJ tem assumido uma posição contrária, entendendo que a decisão final é do corregedor federal.
Este ano, discreto retorno
Os problemas se agravaram no ano passado, quando o Rio liderava o ranking dos estados com presos em unidades federais, com 110 transferências. Ao assumir a VEP pela segunda vez, em fevereiro deste ano, Rafael Estrela promoveu um discreto retorno de presos que, para ele, não representavam um risco tão grave a ponto de justificar a transferência:
— Foram levados para unidades federais presos que nem sequer eram líderes em suas celas. Não tinham perfil. Por isso, voltaram. A temporada fora só acabou dando moral a alguns deles.
Perto de concluir a pena ou progredir de regime, há presos em unidades federais cuja situação está no limite da legalidade. Por isso, os corregedores, distantes do quadro de violência do Rio, não se conformam em mantê-los ali. Outros, de alta periculosidade, ainda têm um tempo de cadeia para tirar. Mas um dia também estarão na rua, lembra o juiz. É o caso de Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, que já completou quase 22 anos de prisão e, por lei, não poderá ficar mais do que oito anos.
Como titular da VEP, Estrela disse que cuida no momento da execução da pena de 32 mil presos, espalhados por cerca de 50 unidades. Em recente conversa com um grupo de empresários do Rio, em torno da crise de segurança no estado, ele alegou que não há como reerguer a cidade sem pensar na situação da população carcerária. Estrela insiste em defender investimentos que possam reintegrá-los à sociedade, como a oferta de cursos de barbeiro e manicure:
— Em qualquer lugar da cidade, você sempre encontra um salão de beleza.
Estrela disse que não vê necessidade de operações de varredura e limpeza nas penitenciárias do estado, como defendeu o ministro da Defesa, Raul Jungmann. Para ele, a população carcerária fluminense não deu, até agora, qualquer motivo concreto para uma operação “que acabaria criando uma revolta, onde não há nada”. Problemas como a guerra da Rocinha, argumenta, não foram provocados por ordens dadas de dentro dos presídios do Rio, “mas por situações que vieram de fora”.