Destaques da Home | 09 de janeiro de 2017 11:23

‘Eu enfrento o medo’, afirma juíza Daniela Barbosa à Veja

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Foto: Daryan Dornelles/VEJA

A juíza criminal Daniela Barbosa contou à revista Veja como é viver sob escolta policial 24 horas por dia, sete dias por semana. Em seu depoimento, a magistrada falou sobre as ameaças que recebeu por seu trabalho. Ela relembrou o ‘susto’ de 2015, quando dezenas de policiais prisioneiros tentaram agredi-la enquanto realizava uma vistoria no Batalhão Especial Prisional da Polícia Militar. “No mesmo dia, mais tarde, voltei ao batalhão, para mostrar que ninguém pode expulsar o Poder Judiciário de lugar nenhum quando estamos fazendo nosso trabalho de forma lícita.”

Daniela Barbosa ainda contou como se previne no dia a dia. “Fora do trabalho, jamais me sento de costas para a rua quando estou em um restaurante. Sempre que vou atravessar a rua, olho para todos os lados para ver se há alguém me seguindo. Quando estou dentro do carro, não paro de jeito nenhum ao lado de um veículo preto com insulfilm nos vidros.”

A juíza revelou que o maior problema de seu trabalho é a limitação na vida. “Não posso ir a um show na praia. Acabo saindo para os mesmos lugares, porque tenho a preocupação de me poupar. Com a família, tento fazer um pouco como no filme italiano A Vida É Bela, aquele em que o pai suaviza para o filho a realidade do campo de concentração. Digo aos meus filhos que os policiais são pessoas do meu trabalho, que só querem garantir o melhor para mim”, disse.

Leia abaixo a íntegra do depoimento:

“Nos meus catorze anos de magistratura criminal, já vivi sob escolta policial algumas vezes. Sempre que acontecia alguma coisa, como a ameaça de um réu, ela surgia na minha vida, mas normalmente era retirada logo depois que o perigo passava. Nunca demorou mais que alguns meses. Só que em 2012 a proteção policial teve de se tornar permanente. Desde então, vivo acompanhada 24 horas por dia, sete dias por semana, porque trabalho como juíza criminal na Baixada Fluminense, na região metropolitana do Rio de Janeiro, onde atuam policiais corruptos, traficantes e milicianos. A escolta é o que me dá a condição de continuar a trabalhar.

As ameaças que recebo são reais. Em uma ocasião, fui perseguida por dois carros quando voltava do trabalho. Já recebi uma visita noturna, inesperada, de um candidato a cargo público que era apoiado por contraventores ligados ao jogo do bicho e aos caça-níqueis. Chegam ameaças por telefonemas para o Disque-Denúncia, também pelo número 190, da Polícia Militar, e ainda por cartas anônimas dizendo que querem me matar.

Em 2015, eu estava visitando um Batalhão Especial Prisional da Polícia Militar em Benfica, na Zona Norte do Rio de Janeiro, quando dezenas de prisioneiros partiram para cima de mim, mesmo acompanhada de escolta. Eram pelo menos quarenta presos, que estavam contrariados com uma decisão minha que determinara o corte de regalias irregulares na prisão, como camas de casal e televisões nas celas. Eles gritavam como loucos. Só me lembro de um dos policiais da minha escolta me pegar pelos braços para me tirar dali. Foi um susto grande, mas, como costumo dizer, tenho memória seletiva, não me lembro de muitos outros detalhes.

No mesmo dia, mais tarde, voltei ao batalhão, para mostrar que ninguém pode expulsar o Poder Judiciário de lugar nenhum quando estamos fazendo nosso trabalho de forma lícita. Voltei, com policiamento. Digo que sou corajosa e responsável, mas não sou maluca. Por isso estou aqui até hoje.

Fora do trabalho, jamais me sento de costas para a rua quando estou em um restaurante. Sempre que vou atravessar a rua, olho para todos os lados para ver se há alguém me seguindo. Quando estou dentro do carro, não paro de jeito nenhum ao lado de um veículo preto com insulfilm nos vidros. O mesmo vale para quando se aproxima alguma moto com dois motoqueiros de capacete. Esse veículo não vai encostar em mim.

O maior problema é a limitação na vida. Se entendo que vivo uma situação de perigo real, vou me precaver. Não posso ir a um show na praia. Acabo saindo para os mesmos lugares, porque tenho a preocupação de me poupar. Mas não deixo de buscar meus filhos na escola ou na natação. A única diferença é que tento adequar a escolta, porque uma coisa é ter seguranças no fórum, outra é estar com policiais numa escola ou em uma ida ao mercado do bairro.

Sempre que possível, tento deixar a escolta mais discreta nessas situações fora do ambiente de trabalho. Com a família, tento fazer um pouco como no filme italiano A Vida É Bela, aquele em que o pai suaviza para o filho a realidade do campo de concentração. Digo aos meus filhos que os policiais são pessoas do meu trabalho, que só querem garantir o melhor para mim.

Evito levar o peso do meu serviço para casa, e quase não falo sobre a minha rotina. Minha família não pode carregar o fardo de uma opção minha, da qual não vou abrir mão por causa do medo.

Se estou em perigo, o tribunal me dá a proteção necessária. Quem não tem esse amparo são as pessoas que vivem nas comunidades dominadas pelo tráfico e pelas milícias. São elas que têm o direito real de sentir medo.”

Depoimento colhido por Pieter Zalis