Questionamentos quanto à ética, eficácia e legitimidade dos acordos de delação premiada deram o tom das discussões nesta quinta-feira (26/3) no I Congresso Nacional do Instituto de Proteção das Garantias Individuais. O evento aconteceu no auditório do prédio da Bolsa de Valores, no centro do Rio de Janeiro.
Em sua palestra, o desembargador Paulo Rangel, do Tribunal de Justiça do RJ, afirmou que o instituto transfere para o particular a condução da investigação que deve ser de responsabilidade do Estado, que acaba ficando à sua mercê. “O Estado só vai atrás do que ele disser, para ver se é verdade”, explicou.
Segundo Rangel, nos moldes atuais, o delator pode tumultuar a investigação ao delatar fatos verdadeiros e falsos, de forma deliberada para implicar pessoas inocentes. “Nisso, se for um político, não haverá mais eleição para ele. Se for particular, a empresa dele vai à bancarrota”, disse.
O desembargador também criticou a condução das delações. “Vi um depoimento no qual o juiz perguntou: ‘Você acha que fulano sabe?’. Está errado. Deveria ser: ‘o senhor sabe se fulano tem conhecimento?’. Tem que se buscar fatos. Achar… isso não é pergunta. E é muita covardia. Isso macula a honra das pessoas, que muitas vezes não conseguem se levantar”, criticou.
Para Rangel, a delação premiada encontra fundamento no direito penal do inimigo — discurso que tem no combate à criminalidade a principal justificativa para a defesa das propostas que visam reduzir as garantias individuais no processo penal. Nesse sentido, o desembargador questionou as penas previstas para quem optar pelo acordo de delação. Em muitos casos pode ser menor, mesmo se a participação dele no crime foi maior que a dos demais investigados.
Sem acordo
A ética sob o ponto de vista da punição também foi criticada pelo procurador da República José Maria Panoeiro, que também participou do evento. Ele explicou que o melhor seria não oferecer a possibilidade de acordo de delação às lideranças da prática criminosa. “As críticas batem na questão da traição, mas temos que pensar na questão da proporcionalidade da pena”, afirmou.
Ele também criticou a celebração de diversos acordos em um mesmo processo, onde “todo mundo entrega todo mundo”. Panoeiro avalia que a estrutura penal não foi pensada para o combate ao crime organizado segundo a estrutura de uma empresa, como tem se verificado em muitos casos investigados nos últimos anos.
Lava jato
Em relação direta aos acordos firmados na operação “lava jato”, que investiga a corrupção na Petrobras, o procurador disse que os fatos têm de ser checados por outros elementos — por isso os pedidos de abertura de inquérito feitos pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
“De fato, a delação gera uma série de problemas e eu digo para os senhores: o problema ético não será superado. E o maior hoje diz respeito a certa privatização do combate ao crime. Ao dizer, por exemplo, que os advogados têm que relatar uma operação de seu cliente quando suspeita”, afirmou.
Eufemismo
O advogado Christiano Fragoso, que presidiu a mesa de debates, reclamou da mudança na nomenclatura do delator para colaborador a fim de evitar a “repugnância” que marca o instituto. O advogado também criticou as renúncias a direitos estipulados em muitos acordos, entre eles ao silêncio e de se recorrer da sentença.
“Me parece absurdo que se imponha no acordo de delação que não se possa recorrer da sentença. Isso é uma flagrante violação da legalidade. A renúncia ao silêncio também. Em nenhum momento me parece que a lei diz que o delator tem que falar tudo o que sabe. Mas os acordos estão invariavelmente sendo firmados nesse sentido”, afirmou.
Fonte: ConJur