O jornal O Globo publicou nesta segunda-feira (29) o artigo “O juiz e a sociedade”, escrito pelo desembargador Jessé Torres Pereira Junior (2ª Câmara Cível do TJ-RJ). No texto, ele afirma que o desejo para 2018 é que a sociedade seja dona de seus próprios destinos, reduzindo o índice de litigiosidade.
“Qual o voto que um juiz de carreira brasileiro pode formular no início de 2018? O mesmo de todos os anos: que a sociedade brasileira absorva o conceito de responsabilidade e se emancipe. O número de demandas judiciais cairia assombrosamente”, escreveu.
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Veja a íntegra do artigo:
O juiz e a sociedade
Quem está satisfeito não leva pleitos para compartilhar sua felicidade com a Justiça
Qual o voto que um juiz de carreira brasileiro pode formular no início de 2018? O mesmo de todos os anos: que a sociedade brasileira absorva o conceito de responsabilidade e se emancipe.
O juiz de carreira é aquele que conquista aprovação em concurso público, a que se submete após os cinco anos do curso de Direito e outros cinco, no mínimo, de prática forense. Uma vez aprovado, é nomeado para servir com competência para julgar casos de direito civil, empresarial, administrativo, tributário, previdenciário, criminal, eleitoral, trabalho e militar.
Ao longo da carreira, o juiz examina e julga milhares de conflitos entre devedores e credores, pais e filhos, maridos e mulheres, herdeiros e sucessores, acusados de crimes e contravenções, sócios de empresas que se constituem e se tornam insolventes, omissões e desvios no cumprimento de políticas públicas ou na execução da prestação de serviços públicos, descumprimento de obrigações contratuais ou legais, reparação de danos materiais, morais e estéticos a que tenha dado causa o exercício incorreto de atividades profissionais.
Glamour algum há na função de juiz. Quem está satisfeito não leva pleitos para compartilhar a sua felicidade com a Justiça. A esta só comparece quem se considera vítima de violação de direitos ou é violador de direitos. A rotina diária de um juiz é a de defrontar-se com todas as repetidas mazelas, para as quais deve apontar soluções que se harmonizem com a ordem jurídica.
O juiz que chega à etapa final da carreira, promovido a desembargador, ainda menos motivo tem para comemorar. É seu papel julgar recursos contra os desfechos processuais que desagradam às partes. Os últimos anos da carreira mostram que um número cada vez maior de pessoas é autor ou vítima de alegada violação de direitos. Pior: muitos são os casos em que a violação poderia ter encontrado uma solução se os envolvidos na questão tivessem o amadurecimento suficiente para debatê-la e resolvê-la.
Para a ciência do Direito, responsabilidade é uma obrigação secundária que se coloca no lugar de uma obrigação primária que se deixou de cumprir. As obrigações primárias são aquelas que se encontram na Constituição, na legislação e nos contratos. Quem as descumpre pode e deve ser chamado à responsabilidade. Se as pessoas evoluírem na percepção das obrigações primárias e as cumprirem, ou se corrigirem os efeitos de descumprimentos a que a erronia humana pode conduzir, o número de demandas judiciais cairia assombrosamente, demonstrando duas coisas: que a sociedade e as pessoas amadureceram e se emanciparam, tanto que passaram a prevenir ou a resolver, por si mesmas, os problemas decorrentes de eventuais descumprimentos de suas obrigações, das quais teriam adquirido consciência.
O Estado deixaria de ser o “grande pai ou tutor” e a sociedade, que passou de imatura a emancipada, seria a dona de seus próprios destinos. Nenhuma música soaria mais estimulante aos ouvidos de um juiz. Tomara que os primeiros acordes venham em 2018.
Jessé Torres Pereira Júnior é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio