Os desafios, obstáculos e preconceitos enfrentados pelas juízas ao longo da carreira, as conquistas alcançadas no decorrer dos anos e a crescente presença feminina no Poder Judiciário foram abordados na roda de conversa “Mulheres na Magistratura”, promovida pela AMAERJ na noite desta quinta-feira (21). A presidente da Associação, juíza Eunice Haddad, recebeu as desembargadoras Leila Mariano, Letícia Sardas e Ana Maria Pereira no auditório da instituição.
Também participaram os organizadores do encontro, desembargador Wagner Cinelli, diretor Cultural da Associação e presidente dos Comitês de Promoção da Igualdade de Gênero e de Prevenção e Enfrentamento dos Assédios Moral e Sexual e da Discriminação do TJ-RJ (COGEN-1º Grau e COGEN-2º Grau), e juíza Rosana Albuquerque, diretora Social e de Comunicação da AMAERJ.
A desembargadora Leila Mariano foi a primeira mulher a ser eleita presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), em 2013. No mesmo ano, também de forma inovadora, a desembargadora Letícia Sardas presidiu o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ). Atualmente, a desembargadora Ana Maria Pereira preside a 17ª Câmara de Direito Privado do TJ.
A presidente Eunice Haddad ressaltou o pioneirismo das desembargadoras, que abriram portas e foram fundamentais para o ingresso de centenas de juízas nas últimas décadas. “O Tribunal do Rio tem a maior representatividade feminina do Brasil na Justiça Estadual. Se hoje podemos nos orgulhar deste fato, isso se deve a todas as colegas que romperam barreiras anos atrás. E as senhoras fazem parte dessa história”, afirmou.
“As três carreiras são brilhantes, com trabalhos de destaque, deixando ainda mais claro que a mulher sabe conciliar, com extrema habilidade e sucesso, todas as múltiplas funções que se propõe a cumprir. Muito obrigada por tudo o que fizeram e representam para essa Magistratura cada vez mais diversa e equilibrada”, disse a presidente da AMAERJ.
Integrante da turma do 1º Concurso do TJ-RJ, há 45 anos, a desembargadora Leila Mariano contou que havia muita discriminação com as mulheres. Em vídeo exibido no encontro, produzido pela campanha “Quem sente na pele”, dos COGENs, a magistrada lembrou histórias da época.
“Nós fazíamos muitos seminários fora do Rio de Janeiro. Eu e Letícia Sardas éramos chamadas para a mesa, mas para fazer ata, fazer a relação da temática do era tratado. Nós não tínhamos autorização para falar. Não falávamos sobre Direito, a nossa vivência nas varas. Isso demorou muito. Foi só com o doutor Thiago Ribas Filho, presidente da AMAERJ, que a coisa começou a melhorar um pouco”, contou.
“Com a chegada de novas mulheres, novas cabeças, o Tribunal foi se modificando, aceitando e mudando o seu modo de ser, possibilitando que as mulheres assumissem todos os papéis, inclusive o de presidente, isso foi uma grande mudança. Já está na hora de termos mais mulheres na Presidência. Temos colegas tão capazes”, frisou a desembargadora Leila Mariano.
Ex-promotora de Justiça e magistrada desde 1982, a desembargadora Letícia Sardas também lembrou casos de preconceito que sofreu na carreira. “A vida era muito diferente. Vejo hoje as mulheres com blusa sem manga, mas eu nunca vim trabalhar sem manga. Tinha muita mão abusiva nos nossos braços. E havia discriminação. Depois que me separei do pai das minhas filhas, ainda tinha que andar com ele pra poder passar no concurso. Não podia mostrar que era divorciada.”
“Quando era juíza em Maricá, também fazia júri. Uma vez, o réu preso chegou, sentou-se, me olhou e disse: ‘A senhora que é a juíza? Então vou embora, não vou ser julgado por uma mulher’. Ele preferiu voltar para a prisão”, rememorou a desembargadora Letícia Sardas, que foi a primeira diretora do Departamento de Comunicação da AMAERJ, função que exerceu por dez anos.
Magistrada desde 1990, a desembargadora Ana Maria Pereira disse que, à época, parecia ser mais jovem do que era, fato que lhe trazia contratempos.
“Tinha 30 anos, mas as pessoas me viam mais como menina do que magistrada. Então passei por situações pitorescas. Na primeira reunião na Corregedoria achavam que eu era filha de algum juiz. Havia preconceito também por não ser casada e não ter filhos. No concurso para o Ministério Público fui indagada na entrevista por ser solteira, como se fosse um problema. Quando atuava em Vara de Família, me perguntaram porque estava lá se não era casada. Para ficar em Vara Criminal então tenho que matar alguém?”, ressaltou.
O desembargador Wagner Cinelli pontuou que essas perguntas não são feitas para os homens. A juíza Rosana Albuquerque falou, também, sobre a dificuldade de movimentação na carreira para as mulheres que são mães.
“Não pude concorrer a uma vaga para Campos porque estava com dois filhos pequenos. Tive que abrir mão. Nestes casos, a ascensão masculina se torna mais rápida pela disponibilidade, por haver mais suporte. E as colegas que decidem ir para longe ainda são implicitamente rotuladas por estar ‘largando’ os filhos e o marido, ‘abdicando’ da família”, disse a magistrada.
A primeira roda de conversa, de iniciativa dos Departamentos Cultural, Social e de Comunicação da AMAERJ, teve como tema “Mulheres na Magistratura” em razão do mês de março celebrar o Dia Internacional da Mulher. Novas atividades dos Departamentos serão promovidas em breve.
Este encontro contou com apresentações musicais do desembargador, músico e compositor Wagner Cinelli, do juiz e baixista Carlos Saraiva e do pianista Bruce Lemos.
Confira o vídeo da campanha “Quem sente na pele” com a desembargadora Leila Mariano:
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