AMAERJ | 16 de fevereiro de 2016 14:36

“Eis-me de novo, forte para a luta” – Veja o discurso de Renata Gil na posse da AMAERJ

amaerj ceu de estrelas

EXCELENTÍSSIMOS Senhor, ESTIMADOS MAGISTRADOS E MAGISTRADAS, SENHORAS E SENHORES

Hoje, um sonho se torna realidade. Um sonho que não sonhei para mim. Um sonho que sonhei para a magistratura do Rio de Janeiro. O sonho de que magistrados independentes e unidos podem conquistar espaços políticos e institucionais, sem a imposição de acordos ou de candidatura única.

Fui a primeira juíza a concorrer a uma eleição associativa neste Estado e tenho a honra de ter sido a primeira eleita. Foi uma disputa focada em propostas e merece destaque a atuação positiva da concorrente Raquel de Oliveira, colega que tem todo o meu respeito e admiração. E já me valendo da representação feminina nesta Corte, agradeço penhoradamente a presença e as palavras da Senadora Ana Amélia, referência de autoridade pública brasileira.

Do tempo em que as escritoras eram preteridas em razão do gênero, merece ser lembrada a poetisa carioca Narcisa Amália, primeira jornalista profissional do Brasil, combatente da opressão da mulher e da escravidão, por seu poema intitulado ”Por que sou forte”:

Dirás que é falso. Não. É certo. Desço

“Ao fundo d’alma toda vez que hesito…

Cada vez que uma lágrima ou que um grito

Trai-me a angústia – ao sentir que desfaleço…

E toda assombro, toda amor, confesso,

O limiar desse país bendito

Cruzo: – aguardam-me as festas do infinito!

O horror da vida, deslumbrada, esqueço!

É que há dentro vales, céus, alturas,

Que o olhar do mundo não macula, a terna

Lua, flores, queridas criaturas,

E soa em cada moita, em cada gruta,

A sinfonia da paixão eterna!…

– E eis-me de novo forte para a luta.“

A expressiva votação, com ampla maioria no segundo grau de jurisdição, me legitima à proteção e à defesa incondicional da magistratura fluminense. Indica ainda que já não há mais tempo nem espaço para a ultrapassada  divisão entre juízes e desembargadores, que existe apenas para delimitação da hierarquia funcional.

O abismo que se forma entre aposentados e ativos, em razão das sérias contradições do sistema de previdência vigente, há que ser suprimido, porque a magistratura está protegida sob o manto constitucional da vitaliciedade exatamente para que se mantenha como inabalável pilar de nossa República.

É importante ressaltar que hoje são empossados os 73 (setenta e três) colegas que, motivados pela vontade de mudança e participação aderiram de forma vigorosa e criativa ao projeto “Magistratura em Movimento”. Também são empossados todos os associados, inclusive pensionistas, que terão vez e voz nas pautas e ações da nova AMAERJ, uma AMAERJ transparente.

Se é bem verdade que enfrentamos um momento de embaraços econômicos e políticos no País e no Estado, resta demonstrado pelos resultados da ação penal 470, das ações oriundas da Operação Lava-Jato” e de tantas outras que tramitaram no Rio de Janeiro – como a do “Propinoduto” – que o Poder Judiciário, com independência, tem equilibrado forças e cumprido seu papel constitucional no Estado Democrático de Direito. Como ensina a Ministra Cármen Lúcia, “crise não é novidade e deve ser enfrentada com soluções possíveis”.

Norberto Bobbio, no dicionário de política que organizou define “crise” como uma circunstância com começo, meio e fim, o que nos faz crer que a sociedade organizada tem competência para superar os grandes obstáculos naturais ou econômicos.

A ética, que deve nortear a ação dos entes republicanos, está soprando a corrupção para as profundezas dos oceanos, trazendo a retidão e a probidade como poderosas correntes. O amadurecimento da democracia é oriundo da evolução progressiva dos Poderes Legislativo e Executivo, justificando o crescimento do Judiciário, para equilíbrio do sistema – acionado inclusive para fazer as vezes de legislador ou de administrador público, em casos de atuação insatisfatória, inação ou desvios.

Esta interferência do Poder Judiciário é legitimada pelos mandatos estatal e universal que cada magistrado tem para julgar, como nos ensina o jurista francês Antoine Garapon:

“O juiz encontra-se numa situação bastante atípica, particular, porque recebe um duplo mandato. Ele é mandatário do Estado, que lhe paga, o forma, lhe dá função e lhe atribui uma parcela de seu poder, para ser eventualmente utilizada até contra ele mesmo, Estado. Mas ele tem também um título universal para julgar. Há uma porção universal no ato de julgar, porque o juiz irá submeter o caso que lhe é trazido a princípios de justiça universal, sem os quais não há juiz. Ele apenas se torna juiz à condição de atingir esta dimensão universal em cada um de seus julgamentos. E, neste sentido, ele é muito mais universalizável do que o são os dois outros poderes de Montesquieu.”

Nesta ordem de pensamento, o verdadeiro juiz é aquele que traz uma solução não apenas legal, mas justa, ao mais insignificante litígio de vizinhos ou ao caso de maior repercussão nacional. Tenho orgulho de dizer que temos o Poder Judiciário estadual mais bem equipado do País, com instalações dignas e magistrados preparados. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro é eleito, há seis anos, o mais produtivo do Brasil, pelo Conselho Nacional de Justiça, o que nos impõe ações condizentes com esta realidade.

A nova AMAERJ se propõe a apresentar à Alta Administração medidas concretas de democratização interna. Uma delas é a participação de juízes – que têm por dever apresentar resultados e cumprir metas – nas diversas comissões internas e externas com impacto direto na qualidade e efetividade da prestação jurisdicional. A gestão financeira deve ser acompanhada e aprimorada pelos juízes, a fim de que a classe colabore na adequada aplicação dos recursos públicos.

O ideal de eleições diretas para os órgãos diretivos do Tribunal será buscado administrativamente, retomando o diálogo, e no Parlamento, com apoio da valorosa e robusta bancada do Rio de Janeiro, que dignifica este ato solene com vultosa presença.

Inauguraremos um cenário de voto e expressão para o primeiro grau, de modo que as dificuldades enfrentadas na ponta integrem o planejamento da gestão dos eleitos. Com tantos jovens exercendo a magistratura e diante da recente extensão constitucional da idade máxima para aposentadoria do funcionalismo público, nada mais saudável e auspicioso para os tribunais que a participação democrática dos juízes de primeiro grau, gerando estímulo à carreira.

A interlocução com as comarcas de interior será facilitada pelos recursos tecnológicos já disponíveis, sendo necessário o acolhimento dos magistrados recém-concursados, com apoio logístico e social. Da mesma forma, a implantação da plataforma eletrônica de designações de juízes será buscada, como forma de conferir, efetivamente, e com acesso a todos, a aplicação dos critérios objetivos de movimentação.

Os desafios a que me proponho como dirigente desta histórica Associação de magistrados dependem inexoravelmente do bom, respeitoso e colaborativo relacionamento com o Judiciário em sua integralidade, os outros Poderes e instituições do Estado organizado, com a sociedade civil e com a imprensa. Esse caminho vem sendo construído há alguns anos, desde que me tornei integrante da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro e de que exerci a vice-presidência de Direitos Humanos da AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros. Não descuidarei, um só segundo, da pronta ação e resposta, em caso de violação das prerrogativas da magistratura e garantias de autonomia e independência do Poder Judiciário.

Senhoras e senhores, a coragem me inspirou a caminhar – desde minha infância simples – a acreditar que poderia me formar na concorrida Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a escolher a carreira da magistratura. Como juíza criminal me deparei com a insuficiência do sistema de justiça para trazer ao infrator da lei a conformação com sua punição, quando é o caso, sua ressocialização e reposta penal esperada pela vítima e pela sociedade. Foi a mesma coragem que me impulsionou a idealizar a Central de Assessoramento Criminal (a CAC), cartório de funcionários “sem rosto” que processa os feitos envolvendo organizações criminosas, iniciativa reconhecida como modelo pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Com este sentimento e a expertise da diretoria e dos departamentos eleitos, produziremos as pesquisas e documentos técnicos necessários ao encaminhamento administrativo e legislativo dos nossos pleitos. Recuperaremos o protagonismo da AMAERJ e retomaremos sua posição de destaque e proeminência no cenário nacional, espaço que outrora ocupou. O Rio de Janeiro  sediou as primeiras reuniões do movimento associativo nacional, constituindo sede história da AMB.

Imbuída de espiríto fraterno, com Deus em meu coração, trabalharei firmemente para “ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca”, de mãos dadas com nosso estimado Cardeal Dom Orani Tempesta, que, de forma incansável, ameniza as dores das feridas da violência e da miséria de nossa cidade.

Externo minha gratidão aos meus colegas de chapa, verdadeiros companheiros, que a todo tempo me ampararam e me impeliram a prosseguir diante das adversidades que permeiam uma eleição. A eles, manifesto meu reconhecimento e amizade, confiando que juntos somos fortes e capazes de grandes feitos.

Agradeço aos meus pais, Carmen e Paulo, que com seu exemplo e perseverança me orientaram para o bem.

A Eduardo, marido amado, que sempre cuidou para que minhas ausências não interferissem na vida que escolhemos construir em comum.

Aos queridos filhos Joao Eduardo e Paula, que, com pouca idade compreendem minha trajetória, surpreendem com

conselhos e de tudo participam, fazendo com que valha a pena o esforço de conciliar família e trabalho.

À minha irmã Carla, sempre presente e solidária, e às minhas irmãs do coração Alessandra e Flávia, suporte emocional, amizade sem fim.

Aos amigos Calandra e Felinto, experientes colegas que me encaminharam no trajeto associativo, à Quaresma, amigo de todas as horas, entusiasta e incentivador, a Saldanha, que sempre respeitou a autonomia de meus posicionamentos e me orientava, e à Alessandra Bilac, verdadeira protetora, grande responsável pela continuidade e qualidade do trabalho na 40a Vara Criminal, quando tive de me afastar da jurisdição.

Aos secretários Ana Cláudia, Diego e Elaine, diligentes, leais, sem os quais a caminhada não teria sido tão organizada e alegre.

Aos serventuários da 40a Vara Criminal, da Central de Assessoramento Criminal, da Central de Mandados Criminal, das comarcas de Conceição de Macabu, Silva Jardim e Rio Bonito, que engrandeceram minha formação profissional e humanista.

Concluindo, emocionada pelo privilégio de estar diante de tantas autoridades, colegas e amigos – muitos dos quais foram meus mestres e guias, pessoas que qualificam e engrandecem esta solenidade -, tomo emprestados os pensamentos do querido e notável amigo da magistratura Bernardo Cabral:

“O que realmente desejo é ter a felicidade de encerrar meu mandato, que hoje se inicia, carregando comigo as cicatrizes orgulhosas do dever cumprido.“

Muito Obrigado!