* Jessé Torres Pereira Júnior
Os ventos de mudança nas relações entre o público e o privado alcançam uma relação que sempre foi complexa, qual seja a do juiz e do jornalista.
O juiz, como agente político do Estado, cumpre o dever de aplicar o Direito para resolver conflitos de interesses que são submetidos ao Judiciário; o jornalista, agente de empresa privada, lucrativa e independente, cumpre o dever de informar.
Ambos os deveres têm sede na Constituição e correspondem a direitos assegurados à sociedade e aos indivíduos, mas o juiz também tem o dever de evitar que a exposição dos conflitos embarace o curso dos processos sob o julgamento do Estado, ainda que não sejam sigilosos, ao passo que haverá conflitos cuja exposição pela mídia constituirá notícia de interesse da sociedade já durante o curso dos processos em que são discutidos. Eis a raiz da dificuldade da relação: os termos da exposição do conflito.
As tentativas de harmonizar a relação afastam-se da essência da dificuldade quando pretendem conduzi-la para o campo dos sentimentos ou do uso recíproco. Equivocado o primeiro porque juiz e jornalista não são amigos, nem inimigos ou adversários. São profissionais que se devem respeito e consideração em face dos relevantes papéis que desempenham em favor das liberdades e da democracia.
Equivocado o segundo porque nem o jornalista deve ver no juiz, nem o juiz deve ver no jornalista meio de acesso à notoriedade.
Ao juiz pouco ou nada importa se o caso que está a julgar constitui, ou não, notícia. O juiz não escolhe os processos. Recebe-os por distribuição aleatória, sejam vultosos ou módicos os valores financeiros envolvidos no conflito, que deverá resolver com discrição, à vista das provas produzidas. Os primeiros fiscais de seu trabalho são os advogados que patrocinam as partes em litígio. Os segundos fiscais são os magistrados de grau superior, que examinarão os recursos interpostos pelos litigantes. Os terceiros fiscais são os membros do Ministério Público, que acompanham os processos com o fim de assegurar a observância da lei e do interesse público.
Do jornalista não se pode exigir conhecimento jurídico equivalente ao do juiz. A sua função de informar funda-se na correção ao apurar e transmitir os fatos e seus personagens, bem como na sensibilidade de interpretar o que seria, ou não, de interesse da população conhecer e criticar. A população é o único fiscal da qualidade da notícia ou da análise que a empresa jornalística lhe oferece como produto, tanto que o compra ou o rejeita.
Eventualmente, caberá ao juiz julgar o jornalista que tenha abusado do direito de informar e, ao fazê-lo, lesou direitos da personalidade de terceiros. Como caberá ao jornalista transmitir à sociedade dados que a habilitem julgar o juiz quando este se desvia de sua missão constitucional.
Tratamento respeitoso e cordial, porém independente e profissional, é o que, na relação juiz-jornalista, produzirá o que deles esperam a sociedade pluralista e o Estado Democrático de Direito.
Jessé Torres Pereira Júnior é desembargador
Fonte: O Globo