“Adota-se regularmente em discursos solenes a praxe de registrar os agradecimentos aos familiares no último instante da oração. Vou pedir vênia aos presentes para, em primeiro lugar me dirigir à minha família, para desde já solicitar compreensão e carinho. Peço-lhes que entendam minha eventual ausência como compromisso com o ideal de justiça que diariamente renovo e rogo o carinho e o acolhimento necessários para que o convívio crie o ambiente necessário à restauração e multiplicação de forças. Também aos meus fraternos amigos de longas jornadas peço compreensão e o necessário conselho para que possa trilhar os melhores caminhos.
Esta solenidade é o coroamento do processo democrático de sucessão na nossa associação de magistrados. Todos os associados, desembargadores e juízes, ativos e aposentados puderam democraticamente escolher a nova diretoria que hoje assume o comando da AMAERJ. A intensa campanha eleitoral evidenciou o interesse de juízes e desembargadores do Rio de Janeiro por um movimento associativo ético e democrático. Agradeço, de forma especial, a todos os colegas que desde o primeiro momento confiaram no nosso projeto de luta pela democratização interna do Poder Judiciário, pela sua eficiência, moralidade e transparência e se dispuseram a dedicar parcela do precioso tempo ao exercício de atividades na nova administração da associação.
Ao querido amigo Antonio Siqueira e aos integrantes da administração que hoje se despede quero renovar publicamente o reconhecimento pelo corajoso trabalho realizado, principalmente na implantação do Espaço Botani que dará rentabilidade à sede campestre de Vargem Grande. A lamentar, somente, a inesperada decisão aqui manifestada pelo presidente Siqueira de se aposentar. Isso significará a perda de um corajoso e destemido companheiro nas lutas associativas, mas, se não o demovermos de tal desejo, o mundo receberá um grande cidadão desprendido das amarras da toga.
Agradeço de modo muito especial ao presidente do Tribunal de Justiça, Des. Manoel Alberto Rebelo dos Santos a cordialidade, desde já, manifestada com a associação. Sua Excelência é exemplo de magistrado independente e íntegro. Da mesma maneira, todos os integrantes da atual administração, desembargadores Antonio Duarte, Nascimento Póvoas e Nametala Jorge são magistrados comprometidos com a plena realização dos ideais de Justiça. Na EMERJ temos encontrado a parceria da desembargadora Leila Mariano, preocupada com o planejamento estratégico do Judiciário.
Aos colegas que integraram a oposição coloco-me inteiramente à disposição para desenvolvermos os melhores projetos em favor da magistratura fluminense e nacional. Da mesma maneira, espero contar com o concurso de suas ideias em prol do interesse coletivo e da integração da classe.
Com os olhos voltados para o futuro e colhendo a experiência adquirida nestes 28 anos como profissional do Direito renovo, neste momento, o compromisso de toda a Magistratura de cumprir e fazer cumprir as Leis e a Constituição. A vida é um complexo sistema em constante mutação e construção. Tudo se transforma a cada instante, portanto devemos manter o permanente entusiasmo para renovar e multiplicar as forças que nos impulsionam.
Todos nós integramos esse sistema renovável e renovador e estamos submetidos às forças que nele atuam. Integramos uma rede dinâmica de pessoas, permanente e indelevelmente unidas. Outras energias e forças nos cercam e condicionam o processo vivificador, significando que não podemos ousar uma liberdade absoluta, sob pena de submergirmos no caos absoluto. Os elos da corrente isoladamente considerados são frágeis e inúteis. Todos devem cumprir seu papel integrador para que a corrente seja forte e, portanto, eficiente. A contrariedade de forças forma o movimento dialético e as resultantes desse conflito devem ser restauradoras e renovadoras, indicando novos caminhos a percorrer nessa infinita caminhada.
O Estado social democrático de Direito é uma construção jurídica resultante de séculos de movimento dialético de forças antagônicas. O conflito inevitável de formas de poder ao longo do tempo permitiu concluir que seu exercício não pode ser pessoal. O poder não pode emanar, exclusivamente, da força física ou armada, nem do controle econômico-financeiro, político, cultural ou da informação. Deve ser extraído, através de um processo de representação política, o espectro médio de influência de todas as formas de poder, para que sobre ele se construa a normatividade social, sem que se esqueça dos excluídos. Esse processo dinâmico, complexo e inacabável forma a essência da Constituição de uma nação, representando todas as forças de seu povo. Ao Judiciário incumbe a árdua missão de pacificar os intermináveis conflitos de forças na sociedade, encontrando nos princípios adotados pelo povo para a constituição do estado, formas de composição dos litígios.
Os milhões de conflitos que o povo brasileiro submete à solução do Poder Judiciário revelam, por um lado, conforme afirmado pelo presidente do STF na abertura do Ano Judiciário, a confiança depositada na decisão judicial e, por outro, que há um incremento na conflituosidade social. O Judiciário, convocado a pacificar tais conflitos, não pode se esquivar de realizar uma análise macroscópica dessa conflituosidade para encontrar soluções coletivas dotadas de efeito resolutivo de maior amplitude. Nossa cultural jurídica tradicional, fundamentada no processo judicial individual deveria voltar os olhos para as ações coletivas. Entretanto, revela-se omissão de instituições legitimadas para as ações coletivas e manuseio abusivo de ações individuais como alimento para uma verdadeira engenharia jurídica capaz de construir demandas artificiais ou fraudulentas. Constata-se, ainda, excesso de produção legislativa que produz incerteza jurídica e permanente dúvida sobre os regramentos aplicáveis sobre determinadas situações. Alie-se a isso, uma inexplicável resistência dos próprios órgãos estatais no cumprimento de elementares garantias constitucionais e o raciocínio antiético de ponderação de lucros que podem advir da sobrecarga processual do Judiciário, ou seja, a conclusão de que vale a pena descumprir a Lei, porque a Justiça pode não falhar, mas às vezes tarda muito e nesse intervalo de tempo tudo muda.
O cenário indica necessidade de planejamento estratégico na gestão da atividade judiciária e, principalmente, que o Judiciário possa contribuir para a pacificação dos conflitos sociais através de soluções integradoras e restauradoras. Não há razoabilidade num superdimensionamento da estrutura jurisdicional tradicional do Estado. O modelo tradicional de Justiça foi concebido para uma sociedade menos complexa, onde as relações jurídicas se realizavam fundamentalmente no âmbito exclusivamente privado. Na sociedade de relações jurídicas massificadas, adepta de contratos de adesão celebrados num segundo, não pode persistir um modelo de justiça que soluciona problemas de um passado que quando resolvido sequer existirá porque substituído por outro modelo de utilidade.
O planejamento estratégico do Judiciário não pode ficar restrito à simples modernização estrutural da atividade jurisdicional tradicional, porque isso significará um pesado investimento para substituir estantes de aço por arquivos eletrônicos onde os grandes conflitos sociais continuarão intocados e insolúveis.
As associações de magistrados têm papel relevante nesse processo de planejamento. Apesar de não integrarem a estrutura judicial são representativas dos anseios dos juízes, desembargadores e ministros que desejam que suas decisões sejam efetivas e transformadoras da sociedade em que vivemos, para que se cumpram os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construção de uma sociedade livre, justa e solidária; de garantia do desenvolvimento nacional; de erradicação da pobreza e da marginalização com redução das desigualdades sociais e regionais e promoção do bem de todos, sem preconceitos e discriminação de qualquer natureza.
Evidentemente que além das grandes e macroscópicas questões que envolvem a prestação jurisdicional do Estado não podem restar sem atenção e solução questões relativas ao funcionamento da superestrutura construída ao longo dos anos para a realização das tarefas do Estado-Juiz. A estabilidade do Poder Judiciário, derivada da vitaliciedade de seus membros, permite um planejamento estratégico com maiores probabilidades de êxito porque não estamos sujeitos às constantes mudanças derivadas do processo político-eleitoral. Temos que arregaçar as mangas e colocar em prática o Judiciário que o povo brasileiro quer.
Os pilares de um sistema judicial comprometido com os compromissos firmados no texto constitucional são forjados na ética e na democracia. Conforme salientou o Des. Jessé Torres Pereira Jr no artigo “A regra moral no controle judicial”, publicado no O Globo de 12.01.12, a moralidade conforme se extraí do texto do artigo 37 da Constituição é princípio constitucional explícito e deve ser medida para uma decisão judicial justa.
Afirmou o ilustre colega: “Diante das expectativas, os juízes e tribunais devem estar qualificados para aplicar o direito segundo regras de moralidade. Legítimo que o façam, mormente quando os processos estiverem submetidos às Cortes Superiores, cujas decisões assentam paradigmas de efeito pedagógico e multiplicador para todo o sistema judiciário, a reforçar o conceito que deixou Clóvis Bevilacqua, mentor do Código Civil de 1916: “A Justiça é o Direito iluminado pela Moral.”
Sendo a moralidade o campo prático da reflexão filosófica que constitui a ética, não se mostra compatível com qualquer conceito de justiça uma decisão ou comportamento judicial dissociado da moralidade, mesmo que aparentemente fundamentado na Lei ou em qualquer outro ato normativo. Relembre-se, ainda, que no campo ético é possível incluir outros valores filosóficos como a dignidade humana. Isto acontece porque as pessoas têm que entender que as suas ações têm consequências não só para si, mas também para os outros, e que estas não podem ser encaradas só de um ponto de vista.
Sobre tais premissas da ética aplicada são construídos os mecanismos de controle, essenciais para o funcionamento do Estado Democrático de Direito, fundamentado no poder da Lei e não dos homens. Portanto, incumbe-nos ponderar as consequências de nossos comportamentos, prestando as devidas contas, porque vários pontos de vista podem ser utilizados para aferir a adequação do que foi realizado: legalidade, moralidade, eficiência, impessoalidade, … Prestar contas é fundamental para o harmônico convívio social e constitui dever indelegável daqueles que exercem parcela do poder outorgado pelo povo.
Grande alarde se criou em torno do questionamento formulado pelas associações de magistrados quanto ao texto da Resolução 135 do CNJ que traçou regras para o procedimento disciplinar em face de magistrados. Ontem, após longo julgamento, por seis votos a cinco o STF não referendou a liminar que havia sido concedida monocraticamente e considerou válido o texto do artigo 12 da Resolução que permite a atuação originária do CNJ, sem qualquer justificativa, em todos os casos que interessar ao órgão de controle administrativo do Judiciário. Em nenhum momento as associações de magistrados negaram o poder disciplinar do CNJ. Objetivou-se não sobrecarregar o órgão central de planejamento do judiciário nacional com as mais comezinhas reclamações administrativas e evitar que sanções aplicadas sem a prévia definição da competência do CNJ pudessem ser posteriormente anuladas causando grande insegurança na sociedade. Aguarda-se, ainda, que o próprio CNJ conclua, com a experiência colhida na prática, que somente será possível controlar as corregedorias e tribunais estaduais exigindo-lhes o cumprimento de seus deveres e não lhes retirando a responsabilidade de controlar os próprios magistrados.
Reitera-se, portanto, o compromisso com um Judiciário ético, eficiente, transparente e democrático.
Adotaremos durante nossa administração na AMAERJ técnicas para a mais ampla participação de nossos associados, restaurando mecanismos para o amplo e democrático debate de questões que devam ser tratadas pela associação. Coordenadorias especializadas e dedicadas a assuntos específicos poderão ser o canal para repercussão das questões mais preocupantes da nossa carreira. As questões remuneratórias se mostram muito sérias. O subsídio não é adequado para remuneração de uma atividade que se desenvolve por carreira. Ele é adequado para remuneração de agentes de estado que transitoriamente ocupam funções. O subsídio gerou distorções graves e a não revisão de seu valor por mais de cinco anos, acarretou perda real superior a trinta por cento. Por outro lado, o acúmulo de dívidas do Estado com a magistratura, ao longo de vários anos, resultou em pagamentos pontuais que se revelaram desproporcionais. O equilíbrio da folha de pagamento seria alcançado se os mesmos recursos orçamentários fossem distribuídos de forma equitativa, pagando-se, preferencialmente, as verbas que beneficiassem o maior número de magistrados.
Vamos atuar na defesa de direitos e prerrogativas da magistratura e nos projetos de segurança e gerenciamento de crises. Não se pode permitir o martírio de magistrados em verdadeira afronta ao Estado de Direito.
As condições de trabalho dos juízes precisam ser urgentemente melhoradas, com adequação de instalações, lotação e treinamento de funcionários nos cartórios e gabinetes.
As atividades culturais e esportivas serão estimuladas, com a realização de eventos de cunho local e nacional.
Estaremos empenhados nas atividades de responsabilidade socioambiental, em especial neste ano em que sediaremos a Rio+20, com o inestimável e fundamental apoio do Ministro Hermann Benjamin.
Não deixaremos de lado os interesses dos aposentados e pensionistas. Insistiremos na luta pela extinção da contribuição previdenciária que lhes é mensalmente confiscada. Realizaremos amplo debate sobre o novo sistema previdenciário que poderá retirar um dos grandes atrativos da magistratura que é a aposentadoria integral.
Reiteramos, ainda, posicionamento contrário à elevação da idade para aposentadoria compulsória de pessoas detentoras de parcela do poder estatal. O fundamento não está na higidez física e mental das pessoas, mas na necessária alternância nas atividades de poder em respeito ao princípio republicano e como instrumento de adequação do Judiciário à compreensão contemporânea da realidade social. A aposentadoria por implemento de idade constitui instrumento necessário para limitar temporalmente a permanência das pessoas nas posições de exercício de poder. Ressalte-se, inclusive, que nas forças armadas o limite obedece não só a idade como o tempo de exercício de um mesmo posto de comando. Portanto, por melhor que sejam os magistrados não se pode justificar a cristalização do Judiciário impedindo a necessária e estimulante evolução na carreira.
Contaremos com a ajuda de vários eminentes colegas, aos quais desde já agradeço, reconhecendo o sacrifício que realizarão ao compatibilizar a atividade judicante com as tarefas associativas.
O processo de democratização interna dos Tribunais deve ser compreendido a partir do processo histórico que separou o primeiro grau do segundo grau de jurisdição, como se os juízes não fossem membros do mesmo Poder Judiciário e, portanto, do Tribunal ao qual se submetem administrativamente e que integram primeiro como juízes e depois por simples ascensão funcional, como desembargadores. Não existe uma estrutura administrativa autônoma que atenda exclusivamente aos Juízes. Logo, primeiro e segundo grau (Tribunais e Juízes estaduais) são divisões jurisdicionais de um mesmo Tribunal que é formado por desembargadores e juízes. Nenhum impedimento se mostra razoável diante de uma interpretação constitucional e legal alinhada com os princípios reitores da república brasileira para afastar os juízes do processo de escolha dos órgãos de direção dos Tribunais.
No caso do Rio de Janeiro, respeitada a norma derivada do artigo 18 e seus parágrafos do CODJERJ, bastaria simples alteração do regimento interno do Tribunal para que todos os juízes pudessem votar na eleição para escolha da administração superior do Tribunal. Nossa proposta é preparatória para uma maior democratização do Poder Judiciário, que dependerá de reformas constitucionais e legais.
Outra alteração compatível com os princípios que regem a administração pública e que estão elencados no artigo 37 da CRFB, em especial o da impessoalidade, seria a necessária uniformização de um programa de gestão para a administração do Tribunal. Seriam evitadas divergências políticas entre integrantes da mesma administração que poderiam comprometer o bom desenvolvimento dos trabalhos. Nossa sugestão para solução desse conflito é a formação de chapas em que seus integrantes compartilhem a mesma percepção administrativo-institucional.
A autonomia administrativa do Tribunal assegurada pela norma que deriva do artigo 96, I da CRFB sustenta a possibilidade do Tribunal Pleno estender a todos os juízes o direito de participação no processo eleitoral do Tribunal e de regulamentar, respeitadas outras normas jurídicas sobre o assunto, o processo eleitoral.
Elaboramos um anteprojeto de alteração do regimento interno do Tribunal que ofereceremos à análise dos colegas.
Ao encerrar peço ajuda de todos os associados para o fortalecimento da nossa associação e para assegurarmos visibilidade às boas práticas judiciária que colocam a magistratura fluminense na vanguarda nacional.
Muito Obrigado!”
*Discurso proferido pelo desembargador Cláudio dell’Orto, novo presidente da Amaerj, no dia 3 de fevereiro de 2012