“Bom dia a todos, cumprimento às autoridades presentes e nominadas nas pessoas do ministro do STF Luiz Otávio Galotti, que tem grandes laços de amizade com meu pai desde que era advogado da Light; ministro do STJ Herman Benjamin, ícone da cultura jurídica brasileira; e a desembargadora Leila Mariano, digna representante das mulheres na Justiça brasileira, e com um futuro brilhante no Tribunal de Justiça.
Agradeço a presença de tantas pessoas ilustres que vieram prestigiar essa troca de comando da AMAERJ. É um orgulho para todos nós tê-los aqui.
Inicio também dando boas vindas à nova Diretoria da AMAERJ, na pessoa do Des. Cláudio dell Orto, pessoa que já demonstrou toda sua capacidade de liderança, sendo, em razão disso, reconduzido à presidência, em pleito que merece elogios pela lisura dos candidatos.
Agradeço também, desde logo, o apoio que recebi de toda a diretoria que hoje encerra seu mandato, sem o qual não teria conseguido cumprir minhas missões. Se a administração não foi melhor, a responsabilidade deve ser debitada unicamente às minhas limitações, e não à vontade deles.
Também me curvo diante do excelente corpo funcional da AMAERJ, pelo empenho, dedicação e lealdade com que os colaboradores trabalharam nesses dois anos. Jamais os esquecerei.
O nosso trabalho foi marcado pela intensa colaboração e pela interação que tivemos com a alta administração do Tribunal, conseguindo vitórias até bem pouco tempo impensáveis. Nesse ponto, novo agradecimento, agora aos Presidentes Luiz Zveiter e Manoel Alberto Rebelo dos Santos e ao corregedor Antonio José de Azevedo Pinto, bem como aos seus excelentes juízes auxiliares, que entenderam que o deferimento dos pleitos da AMAERJ nada mais eram do que o cumprimento das leis vigentes, que muitas vezes, ficam relegadas para momento futuro e, porque não afirmar, incerto.
Mas nem só de alegrias nós vivemos nesse biênio.
A começar pela trágica morte da Juíza Patrícia Acioli, duro golpe contra a democracia, que nos mostrou que além de muitas outras deficiências, estávamos também expostos à violência daqueles que são pagos pelo Estado para nos proteger, mas agem como os mais perigosos facínoras.
Atacados injustamente, inclusive dentro desta casa, conseguimos auxiliar no excelente trabalho realizado pela polícia civil e colocamos atrás das grades os verdadeiros assassinos, como tínhamos prometido.
Ao mesmo tempo, começamos a vivenciar um período de inacreditável perseguição ao judiciário, uma ofensiva sem precedentes, seja pela mídia, seja pela corregedoria nacional de justiça, o que acabou por contaminar perigosamente a opinião pública.
Começou com a campanha dos “bandidos de toga”, com a difusão da idéia de que a generalidade da magistratura estava contaminada por criminosos que se escondiam atrás das vestes talares.
Nunca se apontou onde estão esses bandidos. Dos inúmeros processos abertos pelo CNJ contra magistrados, quase duas dezenas foram anulados pelo Supremo Tribunal Federal por falta de observância dos preceitos constitucionais da ampla defesa, do devido processo legal, do contraditório e da justa causa, do mesmo modo como faz em favor dos mais perigosos criminosos do país, demonstrando os questionáveis métodos de exceção usados naquele órgão. Talvez, por isso, ele tenha colocado no regimento o termo “tribunal”, para poder ficar mais claro que era um tribunal de exceção.
Como não se chegou a lugar nenhum, outro factóide foi criado, do mesmo modo leviano e articulado. Agora, acusava-se a magistratura de movimentar rios de dinheiro, com uma expressão cínica de “movimentações atípicas”, para disfarçar o objetivo hediondo de desmoralização.
Para embasar mais essa trama, quebrou-se ilegalmente o sigilo bancário e fiscal de mais de 230 mil pessoas, muitas delas sem nenhuma ligação com o judiciário, e, portanto, não submetidas ao controle do CNJ.
Noticiou-se que juízes do TRT do Rio haviam movimentado cifras como R$ 280.000.000,00 em 2002. Logo o Presidente da OAB-RJ apressou-se em pegar uma carona e exigir que os nomes fossem divulgados, em mais uma quebra de sigilo criminosa, para expor e crucificar sem qualquer direito de defesa, o que ele (CNJ) denominou “Juiz LALAU carioca”.
Isso beira ao absurdo, pois não há e nunca houve um processo na justiça trabalhista que justificasse um suposto suborno a magistrado dessa ordem de grandeza. Não existe processo desse tamanho. Puro exercício de ódios antigos e irresponsáveis.
Mais uma vez o castelo de areia ruiu. Os casos até agora identificados tratam de pessoas que tiveram vultosas movimentações financeiras em atividades não ligadas à atividade judiciária, e um deles sequer trabalha ou trabalhou na justiça. Nenhum magistrado apareceu nessas listas. Inclusive, o funcionário do TRT no momento desta transação estava cedido à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Registre-se que esses fatos já estavam sendo investigados pelas autoridades policiais competentes, inclusive com a prisão de um dos envolvidos.
Sem castelo, nem barraco, agora se tenta vender a imagem de que os magistrados são marajás (lembram-se do Collor?) e recebem ilegalmente verbas pagas pelos tribunais. Mais uma mentira, mais uma leviandade, mais um factóide, tão oco como os demais.
Todo trabalhador, seja ele da iniciativa pública ou privada, tem prioridade para receber a contrapartida pelo seu trabalho que é o seu salário. Porém, em alguns casos, nem todos os direitos previstos na lei ou no contrato são cumpridos pelo empregador, o que gera um crédito em favor do empregado. E, neste caso, diga-se de passagem, todos os magistrados brasileiros, inclusive quem investe alucinadamente contra nós, tem direito a esses valores e já os recebeu e especificamente de quem eu estou falando, recebeu tudo de uma vez só.
Pois bem: esses valores, que dolosamente se veicula como se fossem salários acima do teto remuneratório, nada mais são do que o pagamento atrasado de direitos reconhecidos aos magistrados pela lei ou pelos tribunais superiores.
O que querem os detratores do judiciário. Que o calote salarial se torne eterno? Ou preferem que a Casa da Justiça diga aos seus juízes: VAI PROCURAR SEUS DIREITOS NA JUSTIÇA?
No fundo, estamos há mais de seis meses sendo reiteradamente chamados pela mídia e pela corregedoria nacional de justiça como bandidos, antiéticos e amorais, com matérias, artigos e reportagens quase diários.
Isso tudo sem contar a campanha permanente pela redução das prerrogativas do cargo, como, por exemplo, a vitaliciedade, que constitui uma das garantias do povo para uma justiça independente.
Onde querem chegar além da desmoralização de um dos pilares da democracia? Penso que nem esses seguimentos da sociedade sabem onde vamos parar. Não avaliam o risco que estão criando para o futuro da justiça e da democracia brasileira.
O simples reflexo que essas campanhas exercem no psiquismo do juiz e, por consequência, em sua saúde, já causam danos gravíssimos à qualidade da prestação jurisdicional, na medida em que agravam o nível de estresse a que os magistrados estão submetidos naturalmente.
Um juiz estressado e inseguro não conduz bem o processo; não tem a indispensável paciência para tratar as partes e advogados; não será um bom inquiridor de testemunhas e, muito menos, terá tranqüilidade para estudar e meditar o suficiente sobre a hipótese colocada em julgamento. Quem paga por isso? O jurisdicionado.
Para se ter uma idéia de como anda a autoestima da magistratura do Rio de Janeiro, tenho notícia concreta, sem fazer qualquer trabalho de pesquisa, que seis magistrados se aposentarão precocemente este ano, fato inédito na justiça fluminense. Entre eles, três são desembargadores jovens, na faixa dos 55 anos.
No estado de Nova York, Estados Unidos, muitos magistrados simplesmente pediram exoneração do cargo para voltarem à iniciativa privada. Motivo: baixa remuneração e excesso de trabalho e de pressão. Nada parecido com o que nós estamos vivendo aqui hoje. Nesse caso, inclusive, houve uma reunião entre as ordens dos advogados dos Estados Unidos e do Canadá para encontrar saídas, através dos clientes poderosos, no sentido de fazer um lobby junto ao congresso americano para reverter essa situação, porque eles já estão ficando sem juízes que julguem suas causas.
Lembrem-se que, ao contrário de várias profissões públicas e privadas, a magistratura entra no seu sétimo ano sem qualquer reajuste. Repito: reajuste e não aumento.
Essa infelizmente foi minha mais importante e desalentadora constatação à frente da AMAERJ: ver em curso um movimento desordenado, mas eficiente, de desconstrução da imagem do Poder Judiciário e seus membros, colocando em risco a democracia.
Que o povo e a mídia se lembrem que a garantia de um país republicano e democrático passa por um judiciário forte e independente.
Que Deus abençoe o Des. Cláudio dell Orto e seus colaboradores nessa luta que interessa a todos os brasileiros e não só aos magistrados.
Boa sorte e mais uma vez muito obrigado a todos que me apoiaram e confiaram no meu trabalho”.
*Discurso proferido pelo desembargador Antonio Cesar Siqueira, antes da transmissão do cargo de presidente da Amaerj, no dia 3 de fevereiro de 2012