* Gilberto Pinheiro
Podemos nos dias atuais entender animais como Sujeitos de Direitos?
Sim, é possível, haja vista que à medida que estudamos, retificamos ideias antigas e evoluímos paulatinamente. É dever nossa evolução pelo bem da vida em sua amplitude. O ser humano não está só no planeta e, por isso, não cabe pensar somente em si.
Além disso, a Constituição Federal em seu artigo 225 /1º/VII dá status de vida à fauna e flora, portanto, reconhecendo tais subjetividades inerentes a estas manifestações de vida. Embora já tenha abordado esta questão, entendo ser imprescindível rememorar o que consta na Carta Magna em seu referido artigo :
“Proteger a fauna e a flora vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam animais à crueldade.”
Aí está sucintamente bem definido o contexto protetivo em relação aos animais, nosso objeto de estudo e observação.
A concepção de que animais são considerados “coisas”, como consta no Código Civil Brasileiro de 2002, perde seu sentido e precisamos dar nova interpretação ao texto. O especismo é característica do personalismo humano e soberbo, rigor inconteste do mais forte subjugando o mais fraco, colocando-o em condições de inferioridade, o que não cabe mais nos dias de hoje.
Com a descoberta da senciência dos animais, tudo em relação a eles, precisa ser revisto, retificado, inclusive, com Direitos específicos assegurando-lhes o respeito à vida, distante das barbáries humanas.
UM PASSADO OBSCURO
A conceituação meramente material, posse ou algo assemelhado, também repercutiu no passado obscuro, quando escravos eram vistos em condições de inferioridade, objetos ou bens de propriedade, sendo comercializados em praças públicas, sob a égide da legalidade ou leis vigentes. O único “direito” do escravo era ….trabalhar forçadamente sem reclamar. Caso contrário, era açoitado e, muitas vezes, morto. O homem branco alicerçava-se na falsa e enganosa superioridade.
Demandou tempo para acabar com esta violência e arbítrio e a realidade da Lei Áurea pois fim à escravatura, contrariando interesses particulares de senhores donos de terras. O discurso abolicionista contrapôs-se ao discurso reacionário dos que se consideravam no direito de domar vidas, utilizando-as ao seu bel-prazer, às custas do sangue africano, a mácula escravocrata que imperava no Brasil desde o período colonial ao império brasileiro.
MESMA SUBMISSÃO IMPOSTA ÀS MULHERES / Ordenações Filipinas
Mesma submissão ocorreu com as mulheres e paixão e morte eram escandalizados na manchetes de jornais na virada do século XIX para o XX. Infidelidade conjugal era regulada pelas Ordenações Filipinas, permitindo ao marido traído o direito de matar sua esposa, inclusive, o amante, desde que este último não tivesse melhores condições financeiras que o marido.
No Brasil dos tempos do Império, o adultério passou a ter punição rigorosa, segundo o Código Criminal de 1830. A esposa adúltera corria o risco iminente de cumprir pena de prisão (um a três anos) além de trabalhos forçados.
* Entende-se como Ordenações Filipinas a base do Direito Português até a promulgação dos demais códigos (século XIX) – muitos tiveram vigência no Brasil até o advento do Código Civil de 1916.
Inclusive, o Código Penal de 1890 reconhecia a privação de sentidos dos acusados de crimes passionais e quando os assassinos das esposas eram levados a juízo, normalmente, tinham penas reduzidas, entendendo como privação dos sentidos ou da inteligência durante o ato criminoso.
O Código Civil Brasileiro, de 1916, entendia que as mulheres eram incapazes, portanto, submissas ao homem e, por isso, levavam surras com varas cravejadas de espinhos. O homem daquela época, tinha este direito absurdo e inaceitável e, hoje em dia, isso é intolerável. Os tempos avançam e a sociedade precisa evoluir também e, com isso, o surgimento de novas leis punitivas para estes tipos de agressão às mulheres.
EM RELAÇÃO AOS ANIMAIS
O mesmo hoje ocorre com os animais e precisamos urgentemente reformar tal conceito de que são “coisas”. Os tempos atuais dão vez à inteligência e, com isso, urge a necessidade de outra interpretação sobre a fauna. Estes seres sencientes não podem continuar a ser vistos como “coisas” à disposição do homem e seus caprichos, imaginando-se o senhor absoluto da vida, revogando direitos aos animais. O especismo é página virada.
DIREITOS DOS ANIMAIS (alguns países)
A França, por exemplo, entende os animais como sujeitos sencientes e o parlamento francês reconhece tal mérito, atualizando a legislação penal vigente e não mais são reconhecidos como “coisas”, mas pelo valor intrínseco como Sujeitos de Direitos;
a Argentina também tem o mesmo entendimento, assim como Uruguai e muitos outros países espalhados pelo mundo afora.
Para se ter uma idéia bem detalhada, nos EUA há 180 escolas de Direito e 71 delas incluem na grade disciplinar os Direitos dos Animais.
Aqui, no Brasil, precisamos rever os conceitos arcaicos em relação e o Código Civil Brasileiro precisa ser retificado em relação à questão, afinal, entendermos hoje em dia animais como “coisas” é o mesmo que mergulharmos no submundo da escravidão e do atraso. O tempo atual urge mudança e precisamos ser mais generosos em relação às demais manifestações de vida.
O passado tem cheiro de mofo e a palidez mórbida da ignorância. Precisamos dizer não às condições que subvertem o direito à vida, modificarmos o presente para um futuro promissor, de brasileiros mais sensíveis, bondosos, respeitadores ao seu próximo e o próximo precisa ser entendido também como todos os animais em nosso território.
O que passou ficou restrito aos livros de História, à marca indelével do atraso que causou tanta dor aos nossos semelhantes e o progresso exigiu reformas. Agora, é a vez dos animais e tudo faremos, à luz da legalidade, para que sejam respeitados, pondo fim a todas as manifestações de maus-tratos e crueldade. A luz haverá de clarear outros caminhos e o bem haverá de prevalecer um dia na Terra, afinal, queiramos ou não, somos todos irmãos.
Gilberto Pinheiro é jornalista, palestrante em escolas e universidades, articulista de sites e jornais sobre a senciência dos animais.