Há exatos 25 anos, 21 moradores de Vigário Geral, na Zona Norte do Rio, foram mortos em um massacre que chocou o Brasil. Os assassinatos ocorreram por vingança contra criminosos da comunidade, que, um dia antes, emboscaram e mataram quatro policiais militares. Nenhum dos mortos na chacina tinha envolvimento com o crime, conforme apuraram os investigadores. A Justiça condenou sete policiais militares.
Um dos sobreviventes foi o eletricista Jadir Inácio, que foi baleado cinco vezes. Ele havia acabado de arrumar um transformador da comunidade e resolveu tomar uma cerveja com amigos. Em 29 de agosto de 1993, o Brasil venceu a Bolívia por 6 a 0 pelas Eliminatórias da Copa do Mundo. Mas a comemoração durou pouco. Homens chegaram por diversas entradas da favela e atiraram em quem passava.
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“Já tinha acabado o jogo do Brasil. Entraram os caras, uns estavam encapuzados, outros não. Eles iam matando quem eles vissem na rua. Eles jogaram uma bomba no bar, ficamos meio tontos e depois eles começaram a atirar em todo mundo”, explicou ele.
O eletricista foi atingido por cinco tiros; um deles perfurou o pulmão. Hoje, mesmo morando fora da comunidade, ele não consegue sair de casa na mesma data em que ocorreu a chacina.
“Eu caí, um amigo caiu por cima de mim e fiquei quietinho até eles saírem. Foi esse amigo que me salvou. Ele morreu”, lamentou Jadir. Além dele, outro homem sobreviveu aos tiros no bar, mas ele evita falar sobre o assunto.
Para sobreviver, com medo de ameaças, ele teve que sair de cena por um tempo: “Eu tive que tirar meus filhos da escola. Eles eram pequenos”. Após alguns anos, ele voltou a morar em Vigário Geral, mas o medo ainda permanecia. “Você passa por isso e não tem mais aquela segurança de estar na rua. Para voltar a me acostumar foi um bocado de tempo.”
Jadir não vive mais em Vigário Geral há mais de dez anos.
Vingança por mortes
Atraídos por um telefonema anônimo, em 28 de agosto de 1993, quatro PMs foram mortos por traficantes. Dois deles foram assassinados dentro do carro. Outros dois tentaram escapar, mas foram executados com mais de 30 tiros. Como resposta, policiais militares entraram na comunidade no dia seguinte para vingar as mortes.
Segundo o TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro), 52 pessoas foram denunciadas pelo crime em dois processos diferentes. Sete denunciados foram condenados:
Outros três réus morreram antes de serem submetidos ao júri. Em 1994, Leandro Marques da Costa fugiu e não foi mais encontrado. Ele chegou a ser pronunciado à revelia, mas o caso não foi levado a júri porque, na época, a lei não permitia o julgamento sem a presença do réu.
A ativista Cristina Leonardo foi a advogada dos familiares das vítimas durante a investigação e o processo. Um mês antes, ela trabalhara em outro crime chocante, a chacina da Candelária. Depois de tanto tempo dos crimes e com o Rio de Janeiro enfrentando uma nova onda de violência, ela acredita que novamente o caminho está na conscientização da população: “As pessoas não podem se acomodar. Está nas nossas mãos”.
À época, a morte dos moradores fez com que o Brasil fosse levado ao banco dos réus na Organização dos Estados Americanos (OEA) por violação dos Direitos Humanos.
Morte e luta
A vida de Iracilda Toledo também mudou naquela noite de 29 de agosto. O marido dela, Adalberto de Souza, com quem era casada há 14 anos, saiu de casa para comprar cigarros no mesmo bar onde Jadir estava. Lá, encontrou os amigos animados pela vitória da seleção e decidiu ficar um pouco. Ele foi um dos sete mortos dentro do estabelecimento. “Eu não perdi só o meu marido. Nós morávamos todos perto. Éramos amigos, fazíamos churrasco”, contou Iracilda.
Em seguida, os criminosos entraram em uma casa em frente ao bar. Lá, oito pessoas da mesma família foram mortas. Eles eram conhecidos na comunidade por fazerem parte de uma comunidade evangélica. Apenas cinco crianças foram poupadas.
Iracilda deixou a comunidade com os dois filhos logo após a chacina por temer que morar na região atrapalhasse a criação das crianças. Hoje, ela preside a associação dos familiares das vítimas com o apoio da ativista Cristina Leonardo, e espalhou cartazes por em frente à comunidade e na Cinelândia, onde, à época, houve uma grande manifestação pela paz e pela solução do caso.
Recorrer ao lado espiritual é uma maneira de lidar com o trauma. Ao olhar para trás, Iracilda lamenta por Adalberto não ter visto o crescimento da família. “O neto dele fez seis anos no dia 22 de agosto e outro fez cinco anos. Ele não teve a alegria de ver esta continuidade”, destacou Iracilda.
No aniversário de 25 anos da chacina que marcou o país, Jadir também pede conforto aos familiares das vítimas: “A gente pede que Deus console o coração das pessoas. Eu não gosto de sair no dia 29, gosto de ficar na minha casinha. Eu quero e desejo para todos paz e sossego”, explicou.
Fonte: G1