CNJ | 09 de fevereiro de 2022 16:20

CNJ orienta juízes a seguir protocolo de perspectiva de gênero

*ConJur

Ministro Luiz Fux | Foto: Rômulo Serpa/CNJ

O Conselho Nacional de Justiça aprovou nesta terça-feira (8) recomendação que institui, no âmbito do Poder Judiciário, um “protocolo para julgamento com perspectiva de gênero”. O documento visa a adoção da imparcialidade no julgamento de casos de violência contra mulheres evitando avaliações baseadas em estereótipos e preconceitos existentes na sociedade e promovendo uma postura ativa de desconstrução e superação de desigualdades históricas e de discriminação de gênero.

Lançado em outubro de 2021 pelo CNJ, o protocolo, inspirado no “protocolo para juzgar con perspectiva de género”, concebido pelo Estado do México após determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, atende ao Objetivo 5 da Agenda 2030 da ONU, que trata de todas as formas de discriminação de gênero.

A medida aprovada também considera a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos em relação ao caso Márcia Barbosa de Souza e outros Vs. Brasil, que condenou o Estado brasileiro por falhas reiteradas à integridade das mulheres e, como reparação, determinou uma série de medidas, entre elas, a adoção e implementação de um protocolo nacional para a investigação de feminicídios.

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O monitoramento e fiscalização das medidas adotadas para o cumprimento das decisões da Corte IDH direcionadas ao Estado brasileiro são feitos pela Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte IDH (UMF).

“O protocolo foi aprovado para colaborar com as políticas nacionais de enfrentamento a violência contra as mulheres e para ser também um incentivo à participação feminina no Poder Judiciário”, comentou o presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux.

“É um dia muito importante para nós. Queremos que ele não se torne apenas um protocolo, mas uma recomendação da visão da integridade com a qual a mulher deve ser tratada”, destacou a Corregedora Nacional de Justiça, Thereza Rocha de Assis Moura. Ela lembrou que o CNJ já está finalizando um convênio com a corte do México que permitirá a tradução do protocolo para português.

Caso Márcia Barbosa

A condenação do Brasil pela corte interamericana no caso ocorreu no final do ano passado e se deu em virtude do tratamento conferido pelo estado brasileiro na investigação e processamento de crime cometido contra a jovem Márcia Barbosa de Souza em 1998.

O Tribunal Interamericano concluiu que o Brasil violou o prazo razoável na investigação e na tramitação do processo penal relacionados com o homicídio da jovem, à época do assassinato com 20 anos, e apontou violações aos direitos e garantias judiciais, violações à igualdade perante a lei e à proteção judicial, violações às obrigações de respeitar e garantir direitos sem discriminação e violações ao dever de atuar com a devida diligência para prevenir, investigar e sancionar a violência contra a mulher.

O autor do homicídio, o deputado estadual Aércio Pereira de Lima, não chegou a cumprir a pena determinada pela Justiça (que só veio a ocorrer quase 10 anos depois do homicídio) porque morreu de infarto.

O “protocolo para julgamento com perspectiva de gênero” faz parte do rol esforços empreendidos pelo Brasil para a promoção da igualdade de gênero e para que casos como esses não sejam naturalizados, esquecidos ou fiquem sem punição. Ele orienta advogados, magistrados, membros do Ministério Público, servidores e demais atores do sistema de Justiça na análise de casos e processos sob a perspectiva de gênero, evitando conceitos discriminatórios.

Sua criação é resultado de estudos realizados por grupo de trabalho formado por 21 representantes de diferentes ramos de Justiça e de universidades, que desenvolveu orientações baseadas em um método analítico que incorpora a categoria do gênero na análise das questões litigiosas por magistradas e magistrados. 

“Este protocolo é fruto do amadurecimento institucional do Poder Judiciário, que passa a reconhecer a influência que as desigualdades históricas, sociais, culturais e políticas a que estão submetidas as mulheres ao longo da história exercem na produção e aplicação do direito e, a partir disso, identifica a necessidade de criar uma cultura jurídica emancipatória e de reconhecimento de direitos de todas as mulheres e meninas”, pontuaram as integrantes do GT e autoras do Protocolo, em apresentação do instrumento.

A ex-conselheira Ivana Farina esteve à frente da elaboração do documento no grupo de trabalho do CNJ. “Ainda que cinco mulheres sejam vítimas de feminicídio no Brasil todos os dias, ainda que dados do SUS mostrem que uma pessoa LGBTQIA+ seja agredida a cada hora em nosso país, nós insistimos para que o espaço do Judiciário seja um espaço de realização da igualdade, de não discriminação de pessoas. Que o exercício da função jurisdicional se dê de forma a concretizar um papel de não repetição de estereótipos, de não perpetuação de diferenças, ou de preconceitos”, disse Ivana Farina.

Direitos humanos

A orientação aprovada em Plenário está de acordo com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), que determina aos Estados partes que ajam com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher, bem como incorporem na sua legislação nacional normas penais, processuais e administrativas para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.

A adoção do protocolo também atende as Recomendações do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), que orientam os Estados Partes sobre o acesso das mulheres à Justiça e a violência contra as mulheres com base no gênero.