* Siro Darlan
O grande advogado e tribuno Marco Tulio Cícero combateu a tirania em Roma tentando impedir que o ditador Zsila voltasse a presidir o Senado Provincial. Zsila que já havia sido presidente antes não podia ser candidato porque a leis de Roma não permitiam essa recondução. Cícero afirmava que a experiência anterior teria sido sob o aspecto ético e moral muito prejudicial porque o cofre da República havia ficadocombalido com obras desnecessárias e superfaturadas, o poder havia sido utilizado para favorecer amantes e concubinas e havia em Roma uma corrente de favorecidos que pleiteavam a volta daquele que nunca havia de fato abandonado o poder, já que fora sucedido por dois governantes muito fracos que continuaram sendo manipulados por Zsila.
Enquanto Cícero exortava o eleitorado romano a praticar a virtude e a economia, sem se deixar levar pelas promessas de privilégios e favores, Marianus, o longa manos do ditador conspirava contra a Constituição alterando os dispositivos que vedavam o retorno do indesejado. Os representantes do povo bradavam para os eleitores; “Sejam homens e não gados”. Os tribunos do Senado Provincial revoltados com as articulações de Marianus recorreram ao “Senatus Supremus” para fazer prevalecer os princípios morais e da anualidade nas eleições, mas o poderoso ditador articulou para que o recurso fosse redistribuído para Supremo Senador Patricius, que inclusive era oriundo do mesmo Senado Provincial.
A expectativa era grande porque embora fossem conterrâneos, Zsila havia conspirado para que Patricius não fosse promovido ao Supremus Senatus, o que só foi possível graças ao poder de influência de Dirceu, um poderoso articulador político que acabou na prisão.
Cícero revoltado com mais essa manobra protestou: “Isso é inconstitucional, uma afronta ao povo livre, não pode ser promulgado”. Após examinar as Doze Tábuas do Direito Romano, concluíram que deveriam denunciar aqueles que violam as leis em proveito pessoal, sem pensar num projeto institucional, conclamando que deveriam evitar a volta se Zsila ao poder, mesmo ao custo de suas vidas. O povo respondia com palavras como “Honra, lei e Justiça”!
Cícero proclamava entusiasmado “Renunciem aos seus lucros pelo bem de Roma! Afastem-se de nós, para podermos recuperar nossa honra, nossa liberdade e nossa lei!”. Considerando aquela parcela do povo prejudicado pelos agentes do ditador, Cícero conclamou-os dizendo: “A nação está falida e em perigo e, portanto, eu lhes rogo que dispensem os favores até agora despejados e os prometidos, por sua própria vontade, pelo amor da ética, e honra do Senado Provincial Romano”.
Embora em Roma não houvesse censura sobre o que se podia ler, pois se acreditava na liberdade de expressão e de publicação e a lei proibisse a censura, o governo de Marianus foi marcado por uma forte censura a obras de artes e os guardas controlavam tudo que os homens liam, escreviam ou falavam. Testemunhando esses abusos, Cicero escreveu; “No entanto, embora seja homem de posses, não há limites para sua ambição. Certamente é mau que os mais altos cargos sejam comprados! A lei que permite esse abuso torna a fortuna mais importante do que a nobreza num político e, então, todo o Estado se torna avaro. Pois sempre que os chefes de Estado consideram alguma coisa honrada, os cidadãos certamente seguem o seu exemplo; e quando a capacidade não ocupa o primeiro lugar, não há verdadeira aristocracia de mente e de espírito.”.
Esses fatos estão narrados como ocorridos no século I AC, mas parecem tão atuais e semelhantes. O poder e a lei não são sinônimos, na verdade, frequentemente são opostos e irreconciliáveis. Existe a Lei de Deus, da qual surgem todas as leis de equidade do homem, segundo os quais os homens devem viver, se não quiserem morrer na opressão, no caos, no desespero. No plano de uma sociedade civilizada fazemos uma Constituição, que muitas vezes é vilipendiada por ditadores, homens que ambicionam o poder pelo poder com o fim único de oprimir os outros homens.
* desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia.
Fonte: Jornal do Brasil