AMB | 02 de novembro de 2023 14:42

Artigo do presidente da AMB: Proteger a advocacia sem ofender a independência judicial

*Texto publicado no site do jornal “O Estado de S. Paulo” (Estadão)

Juiz Frederico Mendes Júnior, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) | Divulgação

Embora seja legítima a pretensão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de defender as prerrogativas da advocacia (afinal, essa é uma de suas missões precípuas), o mais recente meio escolhido para tanto – a organização de um cadastro de supostos “violadores” – infringe outro princípio igualmente relevante: a independência do Poder Judiciário.

O desrespeito a dispositivos do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994), bem como o cometimento de crimes de abuso de autoridade (Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019), em um Estado Democrático de Direito, devem ser tratados pelos meios previstos na legislação – e não por intermédio de “listas negras”, que não têm previsão legal e não existem nem mesmo nos órgãos correcionais da magistratura.

A advertência é necessária porque, certamente, não quererão os advogados que o modismo se espalhe – e que seus nomes também acabem inscritos em róis similares (mas focados em quem desacata autoridades ou comete infrações ético-disciplinares). Um cenário como este, de correio elegante às avessas, em que se trocam calúnias e difamações, revela-se temerário.

A confecção da listagem pela OAB surpreende por sua própria natureza – hostil à autonomia da magistratura e indiferente ao devido processo legal – e, ainda, pelo fato de ser sigilosa. A Ordem, sempre ciosa do direito de defesa (e com todas as razões do mundo), não pode em um rito de condenação sumária, privar os acusados de violações de prerrogativas da apresentação do contraditório.

Configurado nesses termos, o instrumento não favorecerá o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, nem a ampliação do acesso à justiça, tampouco a celeridade da tramitação dos processo e muito menos a “solução pacífica das controvérsias” – um dos compromissos da nação, em consonância com o preâmbulo da Constituição.

É verdade que o artigo 133 da Constituição tornou o advogado “indispensável à administração da justiça”; no entanto, frie-se não lhe deu a competência de intimidar magistrados com a ameaça de represálias – as quais, no final das contas, na maioria dos casos, apenas escondem inconformidades com o teor de determinadas sentenças.

De acordo com a imprensa, a penalidade prevista para os arrolados no famigerado catálogo será a recusa de carteiras da Ordem, caso venham a solicitá-las. Ora, a inscrição nos quadros da OAB é uma garantia dos bacharéis em Direito que preenchem os requisitos, não servindo à premiação de condutas ou à barganha de benefícios privados. Além de desvirtuar o exame de Ordem, semelhante emprego afronta a história de sucesso construída pela entidade nos últimos 50 anos.

A instalação desse clima de desconfiança é deletéria, porquanto pune justamente aqueles que vão buscar no Poder Judiciário a resolução de pendências que não podem dirimir sozinhos – os cidadãos – a quem não interessa um juiz parcial e sem isenção, condicionado pelo receio de se ver incluído em relatórios de hipotéticos detratores da advocacia.

Estamos certos de que a Ordem dos Advogados do Brasil reconsiderará a implementação de tal tabela, ponderando seus efeitos sobre o equilíbrio da democracia e a distribuição de justiça. A busca pela proteção e valorização da advocacia é uma causa nobre, que deve se dar de forma transparente e com respeito à dignidade de todos os integrantes do Sistema de Justiça.

Juiz Frederico Mendes Júnior, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)