*Texto publicado no site do jornal “O Estado de S. Paulo” (Estadão)
Juiz Frederico Mendes Júnior, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) | Divulgação
Entre as várias adversidades enfrentadas pelo Poder Judiciário no Brasil, uma se sobressai em meio às mais graves: a falta de profissionais para julgar a imensa quantidade de processos que ingressam nos tribunais todos os dias. A verdadeira vítima da situação é o cidadão – que, em diversos municípios, sobretudo do interior, tem prejudicado o seu direito à justiça.
De acordo com o relatório Justiça em Números 2024, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem 22.770 cargos de magistrados criados por lei. Todavia, somente 18.265 estão providos – o equivalente a uma vacância de quase 20%. Em outras palavras: no Brasil, uma em cada cinco togas se encontra suspensa no ar.
Magistrados abandonam a carreira não apenas para atuar no setor privado como advogados ou consultores jurídicos, mas também para assumir ocupações incomuns até recentemente, como a de influenciador digital. E a razão da debandada é óbvia: o posto não se mostra atrativo o bastante para os quadros aptos a passar no concurso público.
Diante dessa circunstância, abrem-se dois caminhos: reduzir o nível de exigência das seleções (?) ou melhorar a estrutura da carreira para torná-la mais atraente. Para o bem do país, não podem restar dúvidas de que a segunda alternativa é a única viável: afinal, em nações subdesenvolvidas, a paz social raramente é garantida sem a palavra do Judiciário.
Desenhemos o problema: se uma comarca permanece vaga, decisões que afetam a vida das pessoas, como a revogação de uma prisão preventiva, são adiadas – o que é temerário, principalmente se houver ilegalidades ou excessos na prisão.
Para ilustrar o descalabro gerado pela insuficiência de magistrados, tomemos os processos que tratam de fixação, revisão ou cobrança de pensão alimentícia: sem a determinação judicial, uma mãe que busca alimentos para o filho pode ver o sustento dele comprometido, em prejuízo da saúde do menor.
Mencionemos, ainda, como consequência potencialmente nefasta da carência de magistrados, a impossibilidade de concessão de medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Ou seja: com juízes a menos, mulheres que sofrem violência doméstica podem enfrentar atrasos na obtenção da ordem de afastamento do agressor, com o prolongamento da condição de vulnerabilidade.
Não obstante esse cenário, quem acompanha o noticiário concluirá que o maior gargalo do Sistema de Justiça no Brasil é outro: o suposto alto salário dos juízes. Tal distorção, desmentida pelos fatos – fosse excessivo o subsídio, não sobrariam vagas – acaba por retirar do foco aquilo que efetivamente afeta a qualidade dos serviços oferecidos à população.
As críticas à magistratura cresceram nos últimos tempos, na esteira de campanhas de desinformação que não escondem o objetivo de enfraquecer e descredibilizar o Judiciário – atacado por adquirir relevância na medida em que é chamado a dirimir controvérsias que a sociedade e os demais poderes não conseguem resolver sozinhos.
Embora conte com uma força de trabalho aquém do necessário, a magistratura opera de maneira cada vez mais efetiva, como comprova o crescimento da produtividade anotado pelo Justiça em Números: em 2023, o total de processos baixados aumentou 6,9% – o segundo melhor resultado da série histórica.
Semelhante desempenho só é possível porque os magistrados – a despeito das pressões de toda sorte e da rotina extenuante – seguem firmes na missão de garantir o cumprimento das leis e proteger os direitos fundamentais, zelando pela legalidade e pela observância da Constituição.
Nessa incumbência, o Judiciário conta com o firme apoio das associações representativas da magistratura, que, além de defender as prerrogativas de juízas e juízes, colocam sua expertise a serviço do Congresso Nacional para colaborar na elaboração e na reforma de legislações. No Supremo Tribunal Federal (STF) e no CNJ, também compartilham sua visão privilegiada do Sistema de Justiça, em prol do aperfeiçoamento da jurisdição.
Além disso, promovem estudos e levantamentos que ajudam a formular políticas públicas voltadas para a efetividade da prestação jurisdicional, sem falar nas campanhas de conscientização, que têm impacto positivo, especialmente sobre as camadas menos favorecidas.
Uma cadeira vazia no tribunal significa, na prática, uma sentença de incerteza para a sociedade. Para que o Judiciário continue exercendo seu papel, é imprescindível que a carreira de magistrado seja fortalecida e valorizada, pois o país não pode correr o risco de ver a distribuição de justiça se converter em um privilégio de poucos.
Juiz Frederico Mendes Júnior, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)