O jornal O Dia publicou, na edição de hoje (30), o artigo “Os invasores e as raízes do Brasil”, escrito pelo juiz João Batista Damasceno, da 1ª Vara de Órfãos e Sucessões da Capital. No texto, o magistrado aborda o impasse sobre o destino do Museu do Índio, que resultou no anúncio governamental de reforma da construção. “O governador, que já se sensibilizou pelo valor histórico do antigo Museu do Índio, poderia visitá-lo para concluir que não só o prédio merece ser preservado, mas também a Aldeia Maracanã nele instalada há mais de seis anos. O que dá valor ao prédio são os povos originários”, escreve o juiz.
Leia abaixo a íntegra do artigo:
Os invasores e as raízes do Brasil
Para se apossar do prédio do antigo Museu do Índio, onde há seis anos foi constituída a Aldeia Maracanã, o governo do Rio tentou o desalijo com o uso da Tropa de Choque. Acostumado à força bruta, o governo desprezou as mais elementares noções de civilidade. A maior empresa de comunicação do país chegou a exibir reportagem dizendo que não eram índios, mas traficantes. Logo depois se desmentiu. Em apenas 16 segundos. Mas desmentiu-se. Desqualificar o interlocutor é forma de lhe subtrair os direitos, inclusive o direito à vida.
Os povos originários são as raízes do Brasil. O poeta Gonçalves Dias foi o primeiro a exaltar os costumes dos indígenas e o conhecimento da natureza, segundo José de Alencar. Seguiram-lhe os condoreiros, que inspiraram o sentimento de brasilidade, o abolicionismo e os ideais republicanos. Dentre eles se destacou Castro Alves, que dizia ser pequeno, mas só fitar os Andes, cordilheira sul-americana, quando alguns apenas enxergavam os Alpes.
Da discussão no século 20 sobre o que somos os brasileiros — se nativos, afrodescendentes, ibéricos, mestiços ou completamente outros — restou, em 1931, uma carta de Ribeiro Couto, autor do romance ‘Cabocla’ e cônsul brasileiro em Marseille, ao embaixador do México no Brasil, Alfonso Reys, na qual dizia que daríamos ao mundo o homem cordial. Cordialidade não é apenas amorosidade. Mas, também, animosidade. É o agir pelo coração que nos caracteriza e nos proporciona a possibilidade de convivência intercultural e prazerosa com diferentes povos e etnias.
O governador, que já se sensibilizou pelo valor histórico do antigo Museu do Índio, poderia visitá-lo para concluir que não só o prédio merece ser preservado, mas também a Aldeia Maracanã nele instalada há mais de seis anos. O que dá valor ao prédio são os povos originários. Certamente será bem recebido, como foi o outro Cabral em 1500. Tudo seria diferente se ao invés de aceitar espelhinhos os povos originários tivessem perguntado em 1500: quem é o invasor cara-pálida?
Juiz João Batista Damasceno
Doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito. Membro da Associação Juízes para a Democracia
Fonte: Assessoria de Imprensa da Amaerj