O jornal O Globo publicou, na edição de hoje (4), uma entrevista com o juiz Eduardo Oberg, titular da Vara de Execuções Penais (VEP) há quase dois anos. O magistrado afirmou ser contra sentenças mais duras. “O entendimento do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, e do governador Luiz Fernando Pezão é de que a lei precisa ser mais rigorosa com o preso. Respeito essa posição, mas acho que tal atitude levaria para uma posição contraditória, pois a população carcerária irá aumentar. Onde vamos pôr os presos? Já estamos com superlotação, há 16 mil excedentes. Vamos colocá-los no Maracanã? Vamos também diminuir a maioridade penal? Teremos o mesmo problema”, disse.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Juiz da VEP é contra sentenças mais duras e redução da maioridade penal
A pergunta causa desconforto a qualquer juiz: “O senhor já soltou alguém que veio a cometer um crime logo em seguida?”. No caso de Eduardo Oberg, de 57 anos, titular da Vara de Execuções Penais (VEP) do Rio e professor da PUC, não seria diferente. Ele se ajeita na cadeira do gabinete que ocupa desde maio de 2014 e responde que sim, com um olhar de pesar. Foi o caso de William Vieira dos Santos, de 31 anos, acusado de matar a facadas o turista alemão Fred Nicfind, em Santa Teresa, no carnaval do ano passado.
William foi solto em agosto de 2014 com autorização de Oberg, que justifica: “Ele já tinha cumprido a pena, não tinha como continuar preso”. Há quase dois anos à frente da VEP, ele é responsável por 45 mil presos, sendo 18 mil provisórios. Embora esses últimos não estejam, em tese, sob sua guarda, o magistrado tem como obrigação fiscalizar todas as unidades prisionais. Nas mãos dele, está o destino de homens e mulheres que perderam o direito de serem livres e a responsabilidade de zelar por 120 mil processos criminais.
O senhor se arrependeu de ter soltado o suspeito de matar o alemão Fred Nicfind?
Não. Eu fiz a coisa certa, cumpri a lei. Quem cometeu o erro foi ele. No dia em que eu soube do crime, mandei buscar na VEP o nome do juiz que o libertou. Minha secretária ficou calada. Diante do silêncio, falei: “Fui eu, né?”. Em seguida, perguntei a ela por que eu o soltei. Ela me respondeu que a pena havia terminado. Ele nunca tinha cometido um homicídio, apenas crimes contra o patrimônio. Eu não podia fazer nada. Passei um péssimo fim de semana depois daquilo.
O que o senhor acha que poderia mudar na Lei de Execuções Penais para evitar esse tipo de situação?
Não acho que nada deva ser mudado. O entendimento do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, e do governador Luiz Fernando Pezão é de que a lei precisa ser mais rigorosa com o preso. Respeito essa posição, mas acho que tal atitude levaria para uma posição contraditória, pois a população carcerária irá aumentar. Onde vamos pôr os presos? Já estamos com superlotação, há 16 mil excedentes. Vamos colocá-los no Maracanã? Vamos também diminuir a maioridade penal? Teremos o mesmo problema.
Por que o senhor decidiu ser juiz?
Comecei na engenharia e depois segui para o direito, levado pela efervescência da PUC. Fiz intercâmbio, estudei história da arte em Roma. Voltei para o Brasil e concluí o curso de direito. Sempre tive fama de CDF, era o primeiro lugar da turma. Certo dia, fiquei em segunda colocação e meu pai me pôs de castigo. Sempre gostei de estudar. Meu maior patrimônio é uma biblioteca com 18 mil livros.
A VEP é seu maior desafio?
O meu desafio era tocar a vara e torná-la moderna. Foi o que fiz. Adquiri um sistema de informática moderno do Paraná, o Projudi, que faz a soma de penas de um preso e calcula seus benefícios automaticamente. Hoje, esse trabalho ainda é manual. Já estamos no meio do caminho. Em março, serão migrados para o sistema 90 mil dos 120 mil processos.
Por que mandar os presos para presídios federais se o Rio tem Bangu 1, apelidado de “cofre”?
O problema é esse, Bangu 1 fica no Rio. Mesmo sem comunicação, há presos que exercem o domínio do território. E são apenas 48 vagas.
O senhor criou uma rede de informações com presos e guardas. Isso traz resultados?
Recebo muitas denúncias pelo WhatsApp. Mando apurar na hora. São uma média de 30 só pela manhã, quando chego para trabalhar.
É verdade que o clima no sistema carcerário está mais pesado?
A situação financeira do estado é grave. A comida piorou muito. O fornecimento de tornozeleiras cessou. Mesmo sem elas, sou obrigado a soltar presos que deveriam ficar sob monitoramento. Não posso mantê-los na cadeia sob a justificativa de que o equipamento está em falta.
Fonte: Amaerj | Foto: Custódio Coimbra