A revista eletrônica Consultor Jurídico (ConJur) publicou, neste domingo (7), uma entrevista com o desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, presidente do Tribunal de Justiça do Rio. O magistrado falou sobre concursos para juízes, deficiências da primeira instância, sistema de informática, segurança, novo CPC, auxílio-educação e eleições diretas. “Com relação ao mérito, a questão de fundo, eu te diria que sou a favor das eleições diretas. Mas outras questões também têm que ser resolvidas para que essa eleição se torne legal”, disse.
Confira a íntegra da entrevista:
ConJur — Quando era candidato à presidência do TJ-RJ, o senhor disse que iria voltar suas atenções para o primeiro grau. Quais são, na sua avaliação, as principais deficiências da primeira instância do Rio de Janeiro?
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — As principais deficiências decorrem do descompasso entre as necessidades e a estrutura.A primeira instância não está aparelhada nem em número de juízes e servidores, nem em estrutura material para atender a uma demanda que se multiplicou de maneira monumental, gigantesca. Nos últimos anos, as administrações do tribunal foram obrigadas a dar mais atenção ao interior do Estado, pois havia fóruns em situação extremamente precária, com perigo de risco até para os frequentadores. Então foi dada uma atenção maior ao interior do estado e a segunda instância. A primeira instância da capital, principalmente, ficou muito defasada. Assim também como a primeira instância do interior, pois os cuidados dados a ela foram com relação às edificações, com as construções e consertos da estrutura física dos prédios. Por isso que existe essa defasagem que, agora, nos obriga a um esforço redobrado para resgatar o funcionamento da primeira instância, que precisa ser reativada para ter condições de trabalhar.
ConJur — O senhor vai fazer concursos para juízes e servidores?
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — Certamente. Embora haja dificuldades econômicas e uma retração econômica neste momento, há necessidade de concurso, tanto para servidores quanto para magistrados.
ConJur — Ao tomar posse, o senhor disse que um problema da primeira e da segunda instâncias é o sistema de informática, que são diferentes. Que medida que o senhor vai tomar com relação a isso?
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — A linguagem do sistema de informática da primeira instância não é compatível com o da segunda instância. Como isso, há um desperdício enorme de tempo e recursos financeiros, pois o que às vezes poderia ser resolvido em dez minutos demora mais de uma hora. Tudo isso é um desperdício de tempo e dinheiro, um luxo ao qual não podemos nos dar de maneira alguma.
ConJur — Quais são seus planos para a segunda instância?
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — Não vejo muita deficiência na segunda instância, em relação ao seu funcionamento e à sua estrutura. Às vezes, um processo na primeira instância demora de quatro a cinco anos para ser concluído e quando vai à segunda instância, de três a quatro meses. A segunda instância está razoavelmente instalada com equipamentos, aparelhos e tudo o que precisa. Os gabinetes também estão muito bem instalados, assim como as secretarias, de maneira que não há necessidade hoje de se dar prioridade a segunda instância. O que não quer dizer que a segunda instância será abandonada. Evidentemente, temos que se conservar aquilo que temos hoje.
ConJur — Sobre os juízes de primeiro grau, o senhor tem um histórico de participação em associações de classes, sempre foi ativista. Qual é sua opinião com relação à reivindicação dos juízes para participar das eleições para os cargos diretivos dos tribunais?
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — Não posso falar em nome do tribunal, porque a corte não tem posição fechada em torno desse assunto. Mas, pessoalmente, desde o meus tempos de militância associativa, vejo esse pleito com muita simpatia. Apenas lembro que há algumas PECs [Propostas de Emendas à Constituição] tramitando no Congresso Nacional exatamente para permitir que os juízes de primeiro grau votem para a direção dos tribunais. É porque a Constituição não permite hoje que o juiz de primeiro grau vote. A Carta é muito clara. Diz: “os tribunais elegerão seus órgãos diretivos”. “Os tribunais”, no sentido estrito, quer dizer o segundo grau. Com relação ao mérito, a questão de fundo, eu te diria que sou a favor das eleições diretas. Mas outras questões também têm que ser resolvidas para que essa eleição se torne legal. Além da reforma constitucional, é preciso cuidar de outros aspectos. Por exemplo, no Rio, dos 180 cargos de desembargadores, 175 estão hoje providos. E temos cerca de 800 juízes de primeiro grau. Se o voto for unitário… Fatalmente se hoje a primeira instância reclama de falta de democracia, a segunda instância também vai poder reclamar, porque ela é amplamente minoritária e nunca vai eleger ninguém nem participar ativa e eficazmente da eleição. Teria que ser estabelecido o voto proporcional.
ConJur —Existe alguma possibilidade do Tribunal Pleno vir a analisar, durante a sua gestão, uma proposta que autorize a eleição direta, a exemplo do que ocorreu no TRT do Rio?
Presidente Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — Não vejo como [fazer isso] sem mudança constitucional. Como o Tribunal Pleno do Rio vai atropelar a Constituição e admitir a eleição pela primeira instância? Volto a dizer que sou a favor da eleição para a primeira instância, mas não podemos atropelar a Constituição nesse tema porque nos desagrada. Senão, vamos cumprir a Constituição só naquilo que nos agrada.
ConJur — Uma das primeiras ações do senhor na presidência do TJ-RJ foi se reunir com os juízes da primeira instância e do interior. Que reivindicações o senhor ouviu?
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — Muitas. Por exemplo, eles reivindicaram uma estrutura melhor para o gabinete. Hoje, os juízes de primeira instância têm dois secretários. Eles querem um terceiro que possa atuar como assistente de juiz e assim ajudar a agilizar a prestação jurisdicional. Também reivindicaram que o plantão judiciário seja melhor estruturado; e que sejam avisados, com antecedência, de mudanças de vara ou comarca, para que possam se preparar. Houve uma série de reivindicações simples de atender e que corresponde a um sentimento de respeito para com a primeira instância, o que vai ser uma permanente preocupação da nossa administração.
ConJur — Com relação à segurança, os juízes da área criminal fizeram alguma reivindicação?
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — Alguns sim. Mas esse não é um problema geral. É um problema que se localiza em algumas comunidades mais violentas, dominadas por milícias ou pelo tráfico. Em algumas regiões, onde os juízes são alvos de ameaça, houve pedidos de escolta, para que possam desempenhar as suas atividades com o mínimo de tranquilidade.
ConJur — O senhor disse que a conciliação receberá investimentos na sua gestão. Quais são seus planos para a área?
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — Criar centros de mediação, conciliação e arbitragem. A arbitragem é uma atividade mais de cunho particular, pois os árbitros normalmente são particulares contratados pelas partes para desempenhar essa função. Agora, no que diz respeito à mediação e à conciliação, vamos incrementar bastante esses centros e procurar a colaboração da Defensoria Pública, do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil, também para que todos compreendam que o estoque de processos que existe hoje no Brasil, cerca de 100 milhões, pode diminuir não só porque as sentenças estão saindo, mas também porque não entram novos processos. Em 1988, ano de promulgação da Constituição, 350 mil processos ingressavam, por ano, no sistema judicial. Passados 27 anos, temos um estoque de 100 milhões de processos. Não há crescimento da estrutura judicial que possa vencer essa demanda gigantesca. Temos, na verdade, que partir para os meios alternativos. Um deles é a arbitragem, que é prioritariamente de natureza particular, como eu disse, mas que o poder público deve acompanhar e monitorar. Os outros são a mediação e a conciliação, típicas do Poder Público e que devem ser utilizadas para impedir o ingresso de novos processos. Se conseguirmos certo equilíbrio entre o ingresso e a saída dos processos judiciais, com aqueles que não chegam sequer a nascer por causa da mediação e da arbitragem exitosas e com as sentenças, já podemos nos dar por satisfeitos.
ConJur — Onde esses centros de conciliação serão instalados?
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — Em comunidades e onde houver pessoas precisando da mediação e da conciliação. Para isso, vamos pedir apoio a todos. Por isso o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público e da Defensoria Pública, que têm sedes regionais, nas comarcas, próximos aos fóruns. Também em prédios que a prefeitura possa ceder. Todos têm que estar empenhados nessa diminuição do estoque de processos que é descomunal e para o qual não há força humana que possa, sem medidas criativas e inovadoras, dar cabo.
ConJur — No que diz respeito à arbitragem, se este é um instrumento particular, como o Judiciário pode intervir? E porque o senhor acha importante o acompanhamento pelo Poder Judiciário?
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — Acho necessário, pois a cada vez que a arbitragem tem êxito, temos um processo a menos. Então devemos acompanhar, incentivar e estimular a atividade, que se estrutura entre particulares. Como previsto em lei, os árbitros são escolhidos pelos próprios litigantes, mas isso não impede que o Judiciário articule e monitore a arbitragem e a incentive. Se dizia, antigamente, que o processo era monopólio do Judiciário. Hoje já falamos em meios alternativos, mas que são todos monopólios do Judiciário. O que interessa realmente é a pacificação social.
ConJur — Como está a preparação do Tribunal de Justiça com relação ao novo Código de Processo Civil que está para ser promulgado a qualquer momento?
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — Já têm sido feito alguns eventos de estudo, mas nós estamos esperando, porque, depois que o código for sancionado e publicado, haverá um ano de vacatio legis. Ou seja, teremos um ano de intervalo entre a publicação do código no Ddiário Oficial e a entrada dele em vigor. Aí sim o tribunal vai se estruturar, com a participação da Emerj [Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro], que organizará seminários, cursos, palestras e debates para que os aspectos do novo do CPC sejam abordados e levados ao conhecimento geral.
ConJur — Está tramitação na Assembleia Legislativa do estado a proposta que visa a instituir o auxílio educação para os desembargadores e servidores do TJ-RJ. Qual é sua opinião com relação a isso?
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — Esse projeto foi encaminhado [à Alerj] ainda na administração anterior. Ele prevê uma parcela, a título de auxílio-educação, para os dependentes de serventuários e magistrados, para as despesas relacionadas à educação, como mensalidade e aquisição de material escolar, esse tipo de coisa. E tem uma previsão para o aprimoramento profissional dos servidores e magistrados, uma parcela que certamente poderia ser destinada à aquisição de livros etc. Mas isso ainda está sendo reexaminado pela atual administração. Evidentemente não queremos nenhum exagero, nenhuma situação de abuso. Agora como o Ministério Público já tem [o benefício], os juízes também reivindicam. O que muitas pessoas não sabem é que o Judiciário hoje reivindica determinadas situações indenizatórias que já são usufruídas pelo Ministério Público ou por outros ramos da Justiça. Isso não deve ser considerado um abuso ou uma reivindicação de privilégios. Na verdade, se outras instituições conseguem e se até trabalhadores comuns têm o auxílio-educação, o auxílio transporte, essas verbas paralelas ao salário, não há porque só o juiz ser excluído delas. É uma questão de seriedade no tratamento da remuneração dos juízes.
ConJur — O senhor tem batido muito na tecla com relação a ter um relacionamento melhor com a imprensa. Na sua avaliação, o tribunal ainda hoje é fechado?
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — Acredito que é, majoritariamente. Não se muda a cultura por decreto. Aliás, se pudéssemos, seria negativo. Havia uma cultura, que predominava até a uns 20 anos atrás, que era totalmente refratária ao contato com a imprensa. De lá para cá, avançamos muito. Temos assessoria de imprensa no tribunal e na associação dos magistrados… Então, há uma séria de medidas que demonstram a compreensão, pelo Judiciário, de que o direito a informação é fundamental para a pessoa humana. Esse direito à informação se exercita, na maior parte das vezes, mas não unicamente, por meio dos órgãos de comunicação social, da mídia impressa e eletrônica. Então o Judiciário e a imprensa são mais ou menos irmãos siameses na questão da democracia. Mas, infelizmente, existe ainda alguma resistência ou incompreensão em relação a isso. O que podemos dizer, com bastante satisfação, é que essa mentalidade já regride. Hoje já há uma grande compreensão de que o papel da imprensa é fundamental para a democracia e para o Judiciário.
ConJur — No que se refere à relação com a advocacia, o que o senhor pretende fazer para diminuir eventuais atritos entre juízes e advogados no tribunal?
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho — Um pequeno incidente entre o advogado e o magistrado sempre ocorrerá. O advogado foi despachar, mas não estava muito de bom humor e acabou destratando o juiz; ou foi o magistrado que não estava de bom humor e acabou tratando mal o advogado… Esse tipo de situação sempre ocorrerá acidentalmente. O que pretendemos trabalhar é a cultura de que entre os juízes e os membros das funções essenciais à Justiça — exatamente a advocacia, o Ministério Público, a Defensoria Pública e as procuradorias — tem que haver respeito e estima recíprocos para que os beneficiários da nossa atividade fim, em última análise os jurisdicionados, sejam beneficiários desse entendimento — ou seja, desse respeito recíproco entre todos os participantes da família forense, do qual fazem parte também os servidores. Com os advogados, especificamente, não temos nenhum tipo de problema. Acabei de assinar, com muito prazer, um ato que torna dispensável a utilização de terno e gravata nas audiências e em todas as dependências do tribunal, assim como nas sessões de julgamento, durante o verão. O juiz trabalha de terno, assim como muitos servidores, mas eles passam o dia inteiro em um ambiente que normalmente é refrigerado. Enquanto o advogado é obrigado a transitar de um prédio a outro do tribunal, de uma vara a outra. Então ele sofre com as temperaturas que chegam a 50 graus ou mais.
Fonte: Assessoria de Imprensa da Amaerj