*João Batista Damasceno
Passado um ano da tortura, morte e desaparecimento do Amarildo, fatos similares continuam a ocorrer. A política de segurança militarizada instituída pelo governo do estado em forma de UPP, com o apoio do governo federal, atende às exigências dos marqueteiros, mas não é solução para os reais problemas sociais. Os constantes conflitos nas áreas ocupadas militarmente demonstram que não houve qualquer pacificação.
As UPPs não são um conceito que, na prática, se bem aplicado, seria eficiente. Delas resulta a violência nas áreas ocupadas. Policiais mandados para o confronto matam, mas também morrem, e a responsabilidade é dos que formulam tal política, que também vitimiza praças e a baixa oficialidade. Pensar que as UPPs seriam boas sem a violência seria o mesmo que imaginar que o Nazismo teria sido bom sem o holocausto ou que a ditadura empresarial-militar teria sido boa sem as truculências que praticou.
As ocorrências nefastas são o fruto possível dos modelos políticos autoritários. Não se trata de despreparo ou de casos isolados. Mas de uma política que incide no controle da parcela da população que entra no mercado de trabalho pela margem, que dele está excluída e que não integra o conceito de consumidor, status liberal da cidadania. A parcela da população que não dispõe de meios para consumir não pode sequer andar pelos espaços destinados ao consumo, como ocorreu na repressão aos jovens pobres que pretendiam passear, em forma de ‘rolezinho’, pelos shoppings da Zona Sul carioca.
Nenhuma política que tenha o aparato repressivo do Estado como premissa será solução para os problemas sociais. As ideias não são novas se apenas tiveram roupagem diferente. Toda a história do Brasil é permeada pela repressão e eliminação física dos pobres não padronizados aos modelos ditados pela classe dominante.
O documentário ‘O Estopim’, de Rodrigo Mac Niven, é um registro das ocorrências do tempo presente. O tema é denso. Trata do ‘Caso Amarildo’. Mas não só dele. A abordagem demonstra que muitas outras pessoas pobres foram igualmente torturadas, mortas ou desaparecidas pela política de segurança militarizada. Com rara sensibilidade, faz precisa conexão entre as falas dos entrevistados, demonstra as permanências autoritárias herdadas do regime empresarial-militar, mostra o dissenso entre a sociedade e o Estado — que foi o estopim para as manifestações de 2013 — e termina com mensagem de esperança. O filme é mais que um registro. Ele instiga a necessidade de organização da sociedade contra o estado de barbárie e de desumanização dos pobres, num momento no qual deles tudo o que se espera é o voto.
*João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito
Fonte: O Dia