Para desembargador Fonseca Passos, o ‘ambiente político conturbado’ propicia a ‘prática de ilícitos eleitorais’ em 2018
POR DIEGO CARVALHO E SERGIO TORRES
As eleições deste ano no Estado do Rio exigirão da Justiça Eleitoral a montagem de um plano estratégico conjunto de atuação, do qual fazem parte os Ministérios Públicos Federal e Estadual e as Polícias Federal, Civil e Militar, anuncia nesta entrevista o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro (TRE-RJ), desembargador Carlos Eduardo da Rosa Fonseca Passos.
O objetivo da coalizão é combater os crimes e irregularidades que ameaçam as eleições para a Presidência da República, governos estaduais, Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas, em outubro.
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Fonseca Passos lista os perigos que rondam o pleito: abuso do poder religioso, ação de milícias, notícias falsas difundidas no mundo virtual, atuação de “tradicionais oligarquias políticas”, assistencialismo em centros sociais, violência e o “momento de instabilidade política, em decorrência de sucessivas investigações, denúncias e condenações envolvendo tradicionais mandatários da gestão pública brasileira”.
Leia a entrevista do presidente do TRE-RJ:
FÓRUM: O rezoneamento eleitoral determinado pelo TSE extinguiu 84 zonas no Estado do Rio. Qual será a consequência desta mudança na eleição?
Carlos Eduardo da Rosa Fonseca Passos: O complexo processo de rezoneamento por que passou nosso Tribunal – muito bem conduzido pela desembargadora Jacqueline Montenegro – culminou na reorganização de toda a Justiça Eleitoral Fluminense de 1o grau. Nesse novo cenário, tanto a área territorial quanto o eleitorado atinentes a cada serventia sofreram substancial aumento, o que demandará maior esforço de magistrados e servidores, ante a multiplicação de problemas e de fatores de risco. A fiscalização da Propaganda, por exemplo, passará a englobar regiões muito mais extensas, demandando planejamento específico. Dedicação, criatividade e inteligência passam a ser ainda mais fundamentais.
FÓRUM: O sr. propôs o redimensionamento da força de trabalho no TRE. Que critérios serão usados?
Fonseca Passos: O estudo do redimensionamento da força de trabalho foi consequência do processo de rezoneamento, com o propósito de aquilatar a efetiva necessidade de recursos humanos Em cada zona eleitoral. Foi montado um grupo de trabalho para se debruçar sobre O tema, e que tem trabalhado de forma incessante, inclusive no recesso forense e em fins de semana. Foram fixados parâmetros objetivos e transparentes de aferição de produtividade, demanda e atendimentos cartorários, assim como consideradas férias, licenças e situações excepcionais. Há pesos distintos, de acordo com a complexidade e o tempo envolvido em atividades e processos, para mensurar a lotação paradigma de cada zona eleitoral e constatar as superavitárias e aquelas deficitárias. Não é justa a coexistência de cartórios com servidores subutilizados e serventias em que mal é possível o usufruto de férias, de tão deficitária sua lotação. Busca-se corrigir distorções e alcançar um maior equilíbrio na carga de trabalho dos servidores. Ao contrário do rezoneamento, que foi realizado por determinação do TSE, este processo está sendo conduzido com um viés democrático, sendo concedida a magistrados e servidores a chance de apresentar sugestões e questionamentos. Em seguida, haverá as movimentações pertinentes, observados o interesse público na prestação de serviço de excelência e, na medida do possível, os interesses dos servidores. Mesmo após a relotação dos servidores, a Presidência e a Corregedoria do TRE-RJ estarão de portas abertas para discutir eventuais distorções com os juízes eleitorais e chefes de cartório, porta-vozes dos servidores.
FÓRUM: Como será a ação conjunta de Judiciário, MP e polícias para coibir e fiscalizar a influência de milícias e o abuso do poder religioso na campanha?
Fonseca Passos: O abuso de poder religioso é uma realidade preocupante no Estado. Cada vez mais se consolida um influxo inaceitável de entidades envolvendo-se em política partidária, apoiando candidaturas e se valendo de crenças religiosas. As milícias, por sua vez, constituem verdadeiras facções criminosas que, muitas vezes, pressionam e ameaçam a população a votar em um candidato, coibindo o livre Exercício do direito de sufrágio. Para combater estes problemas, está sendo costurada uma ampla coalizão de instituições democráticas como o Poder Judiciário, o Ministério Público Federal e Estadual e as polícias, permeada por ações de estratégia e inteligência, de modo a permitir que a vontade do eleitor prevaleça e que as eleições transcorram em clima de normalidade.
FÓRUM: Com a internet e as redes sociais, a Justiça Eleitoral tem, hoje, mais dificuldades para fiscalizar apropaganda que antes?
Fonseca Passos: As mídias sociais permitem a difusão de opiniões e de manifestações em geral, sem maiores restrições ou filtros, sejam favoráveis ou prejudiciais aos candidatos. No ambiente virtual, cujo controle é tormentoso, a criatividade judicial e a celeridade da prestação jurisdicional se tornam essenciais. A fiscalização da propaganda em redes sociais é uma tarefa complexa e desafiadora, tendo em vista a elevada velocidade de transmissão de notícias e a dificuldade de se estabelecerem standards de conduta. Está em elaboração, no TRE-RJ, uma instrução normativa sobre a fiscalização da propaganda eleitoral, com especial atenção à publicidade digital. Por outro lado, têm sido realizadas reuniões com representantes das redes sociais e especialistas sobre o tema, a fim de se erquirir a melhor estratégia a ser adotada no combate aos ilícitos eleitorais. E as redes sociais têm mostrado espírito de camaradagem. Estamos tentando obter deles colaboração. Também estamos preparados para decretar medidas coercitivas necessárias e adequadas para o caso de descumprimento de decisões judiciais. Mas não gostaria de cogitar disso, no momento, pois o espírito de camaradagem entre o TRE-RJ e as redes sociais tem prevalecido. Haverá um diálogo permanente ao longo de 2018.
FÓRUM: O TRE tem ouvido juízes e chefes de cartório. Que questões surgiram neste contato direto a fim de aperfeiçoar a Justiça Eleitoral?
Fonseca Passos: Eu e o desembargador Carlos Santos, vice-presidente e corregedor regional eleitoral, temos realizado reuniões com magistrados eleitorais e chefes de cartório, no interior do Estado, para aproximar a administração superior da realidade e das peculiaridades regionais. Já estivemos no Norte e no Sul Fluminense e iremos às demais regiões e à área metropolitana. Este contato nos permite compreender melhor as necessidades locais e buscar soluções para os problemas, através do diálogo e da troca direta de informações, sem a necessidade de intermediários. Ao conversar com o juiz eleitoral de São Fidélis, descobrimos que o cadastro biométrico nem sequer havia sido iniciado lá, por problemas de acessibilidade até então não contornados, em decorrência de questões burocráticas. Em contato com a administração do Tribunal de Justiça, o entrave foi rapidamente solucionado. Em Volta Redonda, a partir de uma iniciativa de juízes e servidores, com modificações de layout na zona eleitoral, foi disponibilizado maior espaço para a biometria, o que aumentará a capacidade de atendimento à população em 80%. A partir dessa integração, problemas são mais rapidamente endereçados, encontrando-se soluções práticas e viáveis, permeadas pelo espírito democrático.
FÓRUM: O brasileiro vive desencanto com a política. Como isso impactará eleição?
Fonseca Passos: Não cabe a um presidente de TRE emitir juízos de valor ou concepções próprias acerca da conjuntura política atual. Quem pode e deve avaliar a atuação dos agentes políticos é o eleitor. Nosso trabalho é apenas garantir que essa avaliação se dê de forma livre, espontânea e sem sobressaltos, como estabelece a Constituição da República.
FÓRUM: No Estado, tivemos há pouco três ex-governadores presos simultaneamente (um deles com 87 anos de condenações). O presidente da Alerj está preso. O governador é investigado por suspeita de corrupção. Qual o efeito deste quadro inédito no eleitorado?
Fonseca Passos: Reafirmo que não tecerei considerações pessoais sobre as ações de governos anteriores ou em curso. O que posso assegurar é que eventuais demandas ajuizadas na Justiça Eleitoral Fluminense, que versem sobre fraude, corrupção e direitos políticos em geral, serão examinadas com a celeridade e o rigor necessários, e que candidatos que não preencham os pressupostos de moralidade e idoneidade estabelecidos pela legislação eleitoral não terão seus registros de candidatura deferidos. A atuação do TRE, em parceria com outras instituições públicas, será no sentido de salvaguarda da legitimidade do pleito eleitoral, independentemente dos atores políticos envolvidos e de eventuais pressões de oligarquias dominantes.
FÓRUM: O que o TRE fará para evitar a difusão das notícias falsas?
Fonseca Passos: A propaganda eleitoral irregular, extemporânea ou negativa será energicamente combatida. Para esta eleição, a propaganda pelas redes sociais e a proliferação das “fake news” demandam maior atenção. Serão empreendidos esforços para que seja coibida a publicidade abusiva virtual, mediante medidas duras que não apenas determinem a exclusão da postagem, mas que assegurem o efetivo cumprimento da determinação judicial, tendo em vista a tradicional reticência de algumas redes ao cumprimento de comandos jurisdicionais. Como disse, têm sido realizadas reuniões com os representantes de tais plataformas digitais, visando a possibilitar a melhor compreensão do ambiente virtual e a maior efetividade das decisões judiciais. Será realizada, muito em breve, uma reunião do juiz coordenador e auxiliar da presidente
do TRE-RJ, Mauro Nicolau, com todos os juízes designados para a fiscalização da propaganda, para debater o tema. A atuação dos magistrados eleitorais também será fundamental na repreensão aos comportamentos abusivos. Mas reitero que as redes sociais têm se mostrado solícitas a estas questões.
FÓRUM: Em que as eleições presidenciais diferirão das anteriores no Estado?
Fonseca Passos: Vivemos hoje um momento de instabilidade política, em decorrência de sucessivas investigações, denúncias e condenações envolvendo tradicionais mandatários da gestão pública brasileira. O ambiente político conturbado se torna mais propenso à polarização de opiniões e à prática de ilícitos eleitorais, o que exige tanto a elaboração de um planejamento estratégico preventivo quanto uma pronta resposta repressiva. No âmbito do Estado, será desenvolvida uma ampla política de coalizão, com compartilhamento de informações de inteligência, visando mapear pontos críticos e antecipar problemas e comportamentos incompatíveis com o processo eleitoral. Eventuais ilícitos também serão imediatamente reprimidos, sendo essencial a atuação dos magistrados de 1º grau neste aspecto.
FÓRUM: Políticos presos e processados ainda têm influência eleitoral. Como o TRE agirá para impedir essa pressão?
Fonseca Passos: O processo eleitoral fluminense sempre foi permeado pela atuação de tradicionais oligarquias políticas, abuso de poder religioso, violência e assistencialismo político, este último através dos “centros sociais”. A exploração da miséria, do medo e de crenças religiosas constitui, infelizmente, uma prática sedimentada em nossa realidade político-social. Reitero que serão desenvolvidos mecanismos de parceria e ações de inteligência para combater tais padrões de conduta nefastos.
FÓRUM: Milicianos e traficantes buscam cada vez mais se envolver na política. Já foram identificados, em pleitos anteriores, candidatos envolvidos com o crime. Qual sua expectativa para 2018 quanto à infiltração do crime organizado na eleição?
Fonseca Passos: Só com a atuação conjunta das instituições públicas, aliada a ações de inteligência, teremos condições de fazer frente a este e a outros vetores de risco, que ameaçam a legitimidade do processo eleitoral. Não há como se excluir toda a influência de organizações criminosas no reduzido período até as eleições, mas sua atuação deve ser combatida e coibida com austeridade e celeridade, inclusive através de cassações de registros e diplomas de candidatos envolvidos com o crime organizado. A participação da população e dos órgãos de imprensa será fundamental, na apresentação de denúncias e na divulgação de práticas incompatíveis com o processo eleitoral.
FÓRUM: O TRE terá as Forças Armadas no esquema de segurança da eleição?
Fonseca Passos: A segurança pública, certamente, é uma preocupação relevante. Considero que o auxílio das tropas federais será essencial para garantir a normalidade das eleições. Contudo, existe um procedimento próprio a ser seguido e tal questão deve ser examinada conjuntamente com a Secretaria de Segurança do Estado, para que sejam identificados pontos de fragilidade e as ações estratégicas a serem desenvolvidas.