Notícias | 17 de maio de 2016 20:53

AMAERJ emite nota técnica contra PEC que inclui advogados em Turmas Recursais

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A AMAERJ encaminhou a parlamentares uma nota técnica em que aponta uma série de inconstitucionalidades na PEC 389/2014, que inclui a participação de advogados em Turmas Recursais. A Associação é contrária à PEC, que permite o recrutamento de advogados com mais de dois anos de experiência para compor as turmas. “A PEC 389/2014 está eivada de inconstitucionalidades e se apresenta incompatível com a ordem jurídica e a jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal em diversos pontos.”

Elaborada pela presidente da AMAERJ, Renata Gil, e pelo diretor da entidade Alexandre Chini (Acompanhamento Legislativo e Questões Remuneratórias), a nota técnica foi entregue nesta terça-feira (17) ao relator, deputado federal Veneziano Vital do Rêgo (PMDB-PB), e ao Major Olímpio (SD-SP), que pediu vista e fará o seu voto em separado sobre o tema. “A proposição, apresentada para adequar a composição das Turmas Recursais ao quinto constitucional, propiciar evolução da jurisprudência e realização da Justiça, salvo melhor juízo, revela-se incompatível com diversas normas constitucionais”, diz o texto.

A AMAERJ afirma que o quinto constitucional é previsto apenas na composição dos Tribunais. “Na composição dos órgãos da Justiça de primeiro grau, o ingresso na carreira será feito, tão-somente, mediante concurso público (artigo 93, I). Os artigos 93, 94 e 107, I da Constituição de 1988 dispõem sobre a estrutura do Poder Judiciário, no que tange à forma e requisitos para investidura dos membros ocupantes de cargos de um dos Poderes da República.”

Segundo a nota, o ato de designação de magistrado para integrar Turma Recursal é de competência privativa do respectivo tribunal, inserindo-se em sua esfera de autogestão, não sendo obrigatório observar a alternância dos critérios de antiguidade e merecimento. “A alteração do artigo 98, inciso I da Constituição de 1988 – para nele inserir os advogados na composição das turmas recursais – resultará em flagrante conflito com as normas dos artigos 92, 93, inciso I e 94 do Texto Constitucional, assim, como com a autonomia administrativa dos Tribunais”, afirma o texto.

Leia abaixo a íntegra da nota técnica:

PONDERAÇÕES CONTRA A PEC 389/2014.

 

 

Excelentíssimo Senhor Parlamentar,

 

 

A AMAERJ – Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro vem, por meio de sua Presidente, Renata Gil de Alcântara Videira, e do seu Diretor de Acompanhamento de Processo Legislativo, Alexandre Chini, submeter a Vossa Excelência nota técnica, sobre a PEC 389/2014, na forma que o que se segue:

A PEC 389/2014 altera a redação do inciso I do artigo 98 da Constituição de 1988, dispondo sobre os julgamentos de recursos por turmas de juízes de primeiro grau e de advogados:

Art. 98…………………………………………………………….

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento, e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau e advogados.

………………………………………………………………………………………………….

 

§3º Para efeito do disposto no inciso I, entende-se por juízes leigos auxiliares da Justiça recrutados entre advogados com mais de 2 (dois) anos de experiência (NR).

A proposição, apresentada para adequar a composição das Turmas Recursais ao quinto constitucional, propiciar evolução da jurisprudência e realização da Justiça, salvo melhor juízo, revela-se incompatível com diversas normas constitucionais.

Pois bem, a Constituição de 1988 estabelece a composição dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais dos Estados e do Distrito Federal e Territórios no artigo 94 e no artigo 107, inciso I:

Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.

 

Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação.

 

Art. 107. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo:

I – um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público Federal com mais de dez anos de carreira;

II – os demais, mediante promoção de juízes federais com mais de cinco anos de exercício, por antigüidade e merecimento, alternadamente.

As normas sobre o quinto constitucional revelam reserva de 1/5 das vagas aos membros do Ministério Público e da Advocacia, ocorrendo, na prática, ocupação de 1/10 das vagas por membros oriundos do M.P. e 1/10 por advogados.

O quinto constitucional tem previsão apenas na composição dos Tribunais (artigos 94 e 107, I). Na composição dos órgãos da Justiça de primeiro grau, o ingresso na carreira será feito, tão-somente, mediante concurso público (artigo 93, I).

Os artigos 93, 94 e 107, I da Constituição de 1988 dispõem sobre a estrutura do Poder Judiciário, no que tange à forma e requisitos para investidura dos membros ocupantes de cargos de um dos Poderes da República.

 Por outro lado, tem natureza diversa o artigo 98, inciso I da Constituição de 1988, ao dispor sobre normas relativas à criação de órgão jurisdicional com a competência definida naquele dispositivo, inclusive competência recursal. Assim, “o colégio recursal não é um órgão judiciário distinto do juizado, ou seja, órgão de segundo grau de jurisdição; ele integra o próprio juizado especial cível, o qual exerce sua competência em dois planos, a saber: (a) originariamente, pelo juiz singular, e (b) em grau de recurso, pelo colegiado” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual dos Juizados Especiais Cíveis. São Paulo: Malheiros, 2ª. Ed., 2001, p. 44).

 Mas não é só. A Lei 9.9099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, por sua vez, estabelece em seu art. 41 § 1º:

Art. 41. Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado.

§ 1º O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.

Verifica-se, assim, que o ato de designação de magistrado para integrar Turma Recursal é de competência privativa do respectivo Tribunal, inserindo-se em sua esfera de autogestão, não sendo obrigatório, inclusive, observar a alternância dos critérios de antiguidade e merecimento, conforme consignado pelo Conselho Nacional de Justiça, nos termos da competência outorgada pelo art. 103B da CF, quando do julgamento do Procedimento de Controle administrativo n. 2008.10.00001803-4.

Ainda sobre o ponto, deve ser destacado que o Supremo Tribunal Federal já enfrentou questão referente à composição das Turmas Recursais, quando do julgamento do Ag. AGR. em Mandado de Segurança n. 28.254 DF, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, devendo ser destacada a ementa[1]:

“AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. ATO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. COMPOSIÇÃO DAS TURMAS RECURSAIS. DESIGNAÇÃO DE MAGISTRADOS DE PRIMEIRO GRAU. DEFINIÇÃO DE CRITÉRIOS. COMPETÊNCIA DO RESPCTIVO TRIBUNAL. AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ E CERTEZA NO DIREITO PLEITEADO. SEGURANÇA DENEGADA. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I – Não verificada, no caso, a existência de qualquer vício no ato impugnado que pudesse caracterizar ofensa a direito líquido e certo do impetrante, mostra-se lícita a denegação da ordem de plano. II – Ademais, o ato de composição das Turmas recursais não caracteriza promoção de magistrado para outra entrância ou mesmo de remoção, porém de mera designação para integrar órgão de primeiro grau, não se impondo, portando, a observância dos critérios de merecimento ou antiguidade. III- Nessa linha, a definição dos critérios para composição da Turma Recursal é ato interna corporis do respectivo Tribunal”. 

Portanto, a alteração do artigo 98, inciso I da Constituição de 1988 – para nele inserir os advogados na composição das turmas recursais – resultará em flagrante conflito com as normas dos artigos 92, 93, inciso I e 94 do Texto Constitucional, assim, como com a autonomia administrativa dos Tribunais.

 Com efeito, a PEC também não explicita os requisitos materiais e formais para a inclusão dos advogados nas Turmas Recursais e não disciplina a participação do Poder Judiciário e do Poder executivo nas etapas do processo de escolha dos advogados, como ocorre na previsão do artigo 94 da Constituição de 1988. A PEC desconsidera ainda os efeitos decorrentes da investidura temporária de advogados em órgãos jurisdicionais, em razão do posterior retorno ao exercício da advocacia, não levando em conta os efeitos de natureza previdenciária, uma vez que o advogado integrante de turma recursal não estará habilitado a atuar em nenhuma outra área de competência nem poderá postular promoção ao cargo de desembargador, por não integrar a magistratura de carreira – que depende de ingresso por concurso público.

A jurisdição é função indelegável do Poder Judiciário, em razão do princípio da separação dos Poderes (artigo 2o), da inafastabilidade do controle judicial (artigo 5o, XXXV) e do princípio do juiz natural (artigo 5o, XXXVII e LIII), princípios que limitam o poder de reformar a Constituição, por integrar as cláusulas pétreas (artigo 60, par. 4o, III e IV).

Pelo exposto, a Emenda à Constituição não pode incluir advogados na composição das Turmas Recursais, por incompatibilidade com a estrutura do Poder Judiciário Nacional e ofensa aos princípios da separação dos Poderes (artigo 2o), do juiz natural (artigo 5o, XXXVII e LIII) e à inafastabilidade do controle judicial (artigo 5o, XXXV). A cláusula pétrea do artigo 60, par. 4o, III e IV torna a PEC inadmissível, e o resultado da sua aprovação sujeito a questionamento no Supremo Tribunal Federal (artigo 102, I, a, da Constituição de 1988).

A PEC 389/2014 está eivada de inconstitucionalidades e se apresenta incompatível com a ordem jurídica e a jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal em diversos pontos.

Por fim, aproveita a AMAERJ para renovar ao eminente Parlamentar os votos de alta estima e consideração, colocando-se à disposição de Vossa Excelência para esclarecer qualquer ponto a respeito do tema. 

Rio de Janeiro, 16 de maio de 2016.

 

RENATA GIL DE ALCANTARA VIDEIRA

Presidente da AMAERJ

 

ALEXANDRE CHINI

Diretor de Acompanhamento de Processo Legislativo da AMAERJ


[1] Órgão Julgador: Tribunal Pleno,  Publicação: DJe-069 DIVULG 11-04-2011 PUBLIC 12-04-2011 EMENT VOL-02501-01 PP-00115.