Notícias | 29 de agosto de 2013 15:46

Adriana Mello: ‘Mais coragem para denunciar’

Na metade dos casos de violência contra a mulher, o agressor está dentro de casa. Só no ano passado, 30 mil mulheres foram agredidas pelos próprios companheiros. Há sete anos, quando entrou em vigor, a Lei Maria da Penha, 435 mulheres foram mortas no Estado do Rio. Em 2012, o número caiu para 295. Ainda é alarmante, mas para a juíza Adriana Ramos de Mello, do 1º Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher, a prisão prevista na Lei é um freio inibidor da violência. O juizado criou, há três meses, o projeto Violeta, que reduziu de 48 para 24 horas o atendimento às vítimas. “Dois dias é muito tempo para quem pode ser morta”, diz.

O DIA: Fazendo um balanço dos sete anos de aplicação da Lei Maria da Penha, podemos dizer que houve avanço na luta das mulheres contra a violência doméstica?

ADRIANA: – Sim. As mulheres estão mais informadas e com mais coragem para denunciar. Já não têm mais tanto medo de levar o companheiro para a prisão. Hoje também elas não podem mais desistir da denúncia por lesão corporal. São obrigadas a manter a queixa contra o agressor. Houve um avanço no número de centros, abrigos e juizados especializados no atendimento às vítimas.

Que desafios ainda precisam ser superados para que a lei seja de fato cumprida?

Não adianta ter a lei, é preciso saber aplicar. É necessária uma capacitação cotidiana dos operadores da Justiça (magistrados,advogados, juízes, promotores de justiça) e policiais, que antes apaziguavam o conflito. Para funcionar, os juizados especializados precisam de equipes formada por psicólogos, assistentes sociais que possam auxiliar os juízes nas decisões. Enfermeiros e médicos, os primeiros a atender a vítima, têm que ser capazes de identificar sinais da agressão para fazer a notificação. Se todo esse trabalho não for feito em rede para atuar na prevenção, vamos continuar apagando incêndio.

Por que tantos homens agridem e matam suas companheiras?

O homem ainda hoje se sente proprietário da mulher. É uma cultura do brasileiro, do latino, que remete à época da família patriarcal, em que o homem era o centro de tudo. No momento em que a mulher decide romper a relação, o homem se sente rejeitado e parte para a violência. Em geral as vítimas são feridas com armas brancas, como faca e punhal. Eles deixam a marca da violência para que ela sempre se lembre dele.

A Lei Maria da Penha também se aplica aos casais homossexuais?

No caso das mulheres sim. A violência entre elas é mais comum do que se imagina. Nos casais homoafetivos também existe a desigualdade de poder. Geralmente, uma delas se comporta como homem. Há o ciúme exagerado, o medo da perda. As mulheres são muito agressivas. Da mesma forma que os homens, elas atingem principalmente o rosto e os seios, que são partes muito femininas para que a mulher não tenha a chance de reconstruir sua vida com outra pessoa.

A violência chega a todas às classes sociais?

Infelizmente, a violência atinge famílias de diferentes classes sociais. É bem democrática. Vai do catador de lixo que agride a companheira na rua ao médico da Zona Sul que espanca a mulher. O que muda é a busca por ajuda. As mulheres pobres denunciam mais. As ricas ou de classe média alta tentam sair da violência com terapia, viagens. Muitas têm medo de expor a vida.

Como se caracteriza a violência psicológica?

É toda forma de humilhação, desprezo, xingamentos, ofensas morais ou ameaças do tipo “Se você se separar de mim não vai conseguir mais nada” ou “Vou retirar a guarda dos filhos”.

Como romper esse ciclo de violência?

É muito difícil. A mulher entra numa espiral e só consegue sair com a ajuda da lei. Ela precisa ter muita confiança e certeza da punição para ir adiante. A possibilidade de prisão funciona como um freio inibidor da violência. Nas comunidades com UPPs, houve um aumento considerável nas denúncias.

A pena ainda é branda?

Os crimes contra a mulher têm penas mais leves do que roubo, por exemplo. Se um homem desfigurar o rosto de uma mulher com ácido vai pegar no máximo 3 anos de reclusão. Se ele roubar um celular, a pena sobe para 4 anos. É uma discrepância do Código Penal que é feita por homens e para homens.

Algum caso te impressionou pela violência?

Sim. O de uma professora que teve 70% do corpo queimado pelo marido, que trabalhava no comércio. Ela estava no banheiro e ele jogou gasolina pelo basculante e, em seguida, ateou fogo. Ele foi condenado com base na Lei Maria da Pena, e ela ficou com sequelas.

Como denunciar?

Depois de passar por uma unidade de saúde, a vítima deve procurar a delegacia mais próxima para registrar a ocorrência. Em seguida, deve ir a um dos Juizados especializados para pedir as medidas protetivas, como afastamento do agressor do lar, proibição de aproximação, guarda provisória dos filhos e pagamento de pensão alimentícia. Um deles fica na Rua da Carioca nº 72, Centro do Rio. Há juizados também em Campo Grande, Jacarepaguá, Leopoldina, São Gonçalo, Duque de Caxias e Nova Iguaçu.

Fonte: O Dia