Siro Darlan*
Erigida à categoria de direito fundamental pelo legislador constituinte, a liberdade de expressão da atividade artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença, é fundamental para a manutenção do estado de direito. No entanto, o artigo 221 da Carta Magna impõe aos meios de comunicação princípios que nunca foram respeitados nem são cobrados, tais como a preferência e a finalidade educativa, artística, cultural e informativa; a promoção da cultura nacional e regional, além do estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; a regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; e, sobretudo, o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Não é o que se vê na programação televisiva brasileira, sob o olhar conivente e omisso dos representantes do Ministério Público, órgão constitucionalmente responsável pela fiscalização do cumprimento das leis. Ademais, o que se vê no exercício desse direito fundamental por parte de parcela da mídia nacional é uma criminosa manipulação dos fatos de forma a induzir a opinião pública como verdadeiras as versões que tentam passar para o público, viciando a opinião pública que é induzida a aceitar como verdadeira a opinião publicada.
Infelizmente, esse não é um fenômeno nacional mas tem sido uma ferramenta utilizada como uma verdadeira arma de guerra por algumas nações poderosas. Não se faz mais guerra apenas com armas e instrumentos da diplomacia, como foi a caso da chamada Guerra Fria, mas a mídia manipulada tem sido um instrumento de ataque muito utilizado por sua força de convencimento para obter apoio da opinião pública.
Assim ocorreu no ataque ao Iraque, quando a opinião pública foi levada a acreditar que havia o uso de armas químicas que nunca foi comprovado. Do mesmo modo a opinião pública foi levada a aprovar a intervenção na Líbia e em outras intervenções precedidas de uma publicidade enganosa para justificar agressões injustificadas de uma nação contra outras. No Brasil testemunhamos a intervenção midiática de uma organização jornalística numa eleição presidencial que conduziu um debate entre os candidatos de modo a beneficiar o então vitorioso, que depois veio a ser derrubado pelo povo, quando tardiamente se deu conta do estelionato de que tinha sido vítima.
Contudo, o que há de mais irresponsável na formação das novas gerações é a manipulação publicitária de crianças e adolescentes, levadas precocemente a se transformarem em consumidores compulsivos e sem limites. A máquina publicitária que deveria formar cidadãos cria pessoas manipuladas pela violência televisiva e pela erotização precoce, os quais depois serão transformados em personagens de seus noticiários policiais.
O mercado da publicidade infantil já manipula, por ano, bilhões de dólares para transformar as crianças em consumidores. Desse modo a criança passa a viver a esquizofrenia do consumo e passa a ser biologicamente infantil, mas psicologicamente adulto, ultrapassando a fase da fantasia infantil parta imitar o comportamento do adulto. A destruição dessa fase leva a criança a atingir uma puberdade de insegurança.
Não cuida bem de suas crianças um país que, além de pagar mal aos professores, não exige que a TV, uma concessão pública, cumpra a lei e contribua efetivamente para elevar o nível cultural da nação e ajude no resgate da ética, da cidadania e das esperanças libertárias de um povo que cansado de esperar por justiça já está voltando às práticas selvagens de promovê-la pelas próprias mãos.
*Siro Darlan Oliveira, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é membro da Associação Juízes para a democracia.
Fonte: Jornal do Brasil