Juiz de Direito Antônio da Rocha Lourenço Neto
Rio de Janeiro / RJ
Os processos de interdição visam proteger a pessoa (interditado) com alguma deficiência, quer física, quer mental, que fica impedida da gestão de seus bens e, em alguns casos, sem condições de dirigir sua própria vida, em virtude de sua incapacidade total ou parcial. Num determinado processo de interdição, de cunho parcial, a interditanda (esposa), o autor/marido, advogado, o perito médico, curadora (Promotora de Justiça) e o Juiz, todos estavam presentes na Audiência de Impressão Pessoal, para ouvir aquela esposa que sofria de um problema psiquiátrico moderado. Tudo transcorria normalmente até o momento em que…
Logo no início da audiência, a interditanda, encabulada, perguntou:
– Posso falar com a Promotora de Justiça?
– Pois não — redarguiu o Juiz.
Passou-se um pequeno intervalo e, então, disse a interditanda:
– Doutora Promotora, eu sei que a senhora proibiu o meu marido de ter relação sexual comigo, ele me falou, mas agora estou melhor. Gostaria que o autorizasse a fazer amor comigo, estou muito necessitada, quase subindo pela parede. Não aguento mais!
Todos na sala fizeram, a princípio, um silêncio sepulcral e se entreolharam perplexos com o que a interditanda havia acabado de dizer. A promotora de justiça, logo após, fez uma expressão desconcertada.
O Juiz, surpreso, indagou à Promotora:
– Doutora, a senhora proibiu o marido de fazer amor com a interditanda?
O sorriso silencioso, porém, respeitoso estava estampado no rosto de todos, quando, nesse instante, a Promotora se apressou a falar:
– Lamento dizer que a senhora está enganada. Eu nunca falei que o seu marido deixasse de fazer amor com a senhora. É pura invenção dele! Na verdade, parece que é mera desculpa.
O autor/marido, desorientado com a situação posta, aspirou o ar bruscamente entre os dentes, como se tivesse sentido um golpe de vento gelado, e, sem jeito, balbuciou algo inaudível para sua esposa, ao seu lado. Contudo, foi-me possível ouvir apenas o seguinte cochicho: “depois eu explico, eu explico, fica quieta…”
A audiência prosseguiu no seu trâmite, na medida do possível, normal. De outro lado, notada e terrivelmente longa para o marido que, em silêncio, observava tudo que se passava, a procura de uma rósea luz. Ao final, para seu desespero, a Promotora de Justiça, que estava um pouco agitada, olhando fixo para a interditanda e, depois, com satisfação, para o marido desta, com uma ironia feroz, pediu a palavra:
– Escuta: se eu fosse à senhora, assim que saísse daqui e voltasse para casa, exigiria do seu marido que faça amor o dia todo. Eu nunca conversei com o seu marido, e não existe isso de proibir marido e mulher de fazer amor, tudo é uma invenção dele.
A interditanda com um semblante alegre e entusiasmada disse:
– Muito obrigado – falou com delicadeza — Eu gostaria, realmente, de fazer amor com o meu marido. Agradeço muito à senhora doutora, pelo esclarecimento. O meu marido deve ter entendido mal. Agora, sei que não tem proibição nenhuma.
A cada palavra da interditanda, o marido se abismava e, desorientado, ficou boquiaberto. Mais uma vez, ao pé do ouvido da esposa, disse: “por favor, vamos embora. Depois a gente conversa…”
Depois disso, o Juiz rendeu-se a espontaneidade da situação e, então, perguntou à Promotora se queria que consignasse a sua recomendação na ata de audiência, o que deu azo à desconcentração do ambiente, e os sorrisos verdadeiros pipocaram.
Afinal, nada disso foi consignado na ata da audiência, mas o marido, até hoje, vem prestando anualmente contas de todos os valores que recebe em nome de sua esposa, em razão da vigilância constante e implacável da Promotora de Justiça!