Artigos | 27 de abril de 2020 13:11

Artigo avalia impacto da pandemia na prática da advocacia

O advogado Marcelo Mazzola, sócio do escritório Dannemann Siemsen, publicou no site Análise Editorial, na quarta-feira da semana passada (22), artigo em que comenta os reflexos da pandemia do coronavírus no exercício da advocacia.

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A seguir, leia a íntegra do artigo.

Colaboração entre advogados em tempos de pandemia

“O momento ainda é de angústia. A pandemia gera preocupação e afeta severamente a vida da população.

Não é diferente para os advogados, que, há semanas, sofrem os reflexos da suspensão dos prazos processuais (Resolução 313/20 do CNJ). Ao que tudo indica (e assim se espera), os prazos processuais de processos eletrônicos, com exceção daqueles que tramitam no Supremo Tribunal Federal e no âmbito da Justiça Eleitoral, voltarão a fluir no dia 04 de maio, permanecendo suspensos os prazos processuais de processos físicos (Resolução 314/20 do CNJ).

Independentemente dos inconvenientes dessa crise mundial, o período de isolamento traz algo raro para a vida do advogado: tempo. Tempo para refletir, reexaminar estratégias, pensar em novas oportunidades, planejar desafios, dialogar com clientes e, principalmente, vislumbrar soluções na tentativa de impulsionar os processos.

Antes de avançar, cabe apenas lembrar que a suspensão dos prazos processuais não significa a suspensão dos processos (art. 313, VI, do CPC).

Tanto é assim que a atividade jurisdicional (em âmbito eletrônico) não está paralisada. A distribuição de processos judiciais e de recursos segue normalizada, assim como a publicação de atos judiciais (ainda que sem inaugurar prazos processuais – ressalve-se, porém, que, em alguns tribunais, existe prazo para objetar o julgamento virtual), bem como a expedição de mandados de pagamento (cujos valores estão entrando diretamente na conta do beneficiário).

Ademais, sessões virtuais e por meio de videoconferência estão acontecendo regularmente nos tribunais, inclusive superiores (vide, por exemplo, as Resoluções 672/20, do STF, e 9/20, do STJ). Recentemente, a Resolução 314/20 do CNJ indicou, inclusive, a plataforma a ser utilizada pelos tribunais para atos por meio de videoconferência, sem prejuízo de outras ferramentas equivalentes.

Além disso, despachos entre magistrados e advogados vêm sendo feitos por meio de videoconferência/telefone, sobretudo nos casos urgentes.

Importante mencionar que a suspensão dos prazos não impede a realização de atos urgentes (requerimentos de tutelas provisórias, por exemplo, inclusive nos processos físicos), o que, aliás, está expresso no art. 5º, parágrafo único, da Resolução 313/20 do CNJ e no art. 314 do CPC.

Da mesma forma, é perfeitamente possível que as partes, através de seus advogados, busquem a realização de acordos, minimizando os efeitos do tempo (muitas vezes prejudicial para ambas as partes: imagine-se o credor que fica sem receber e o devedor que sofre os efeitos dos juros e da correção monetária).

Note-se, porém, que tais acordos não precisam se limitar ao mérito da discussão propriamente dita. Também podem envolver mudanças no procedimento da causa, bem como nos ônus, poderes, faculdades e deveres processuais das partes (art. 190 do CPC).

Mas, para tanto, é preciso que haja uma convergência de interações (não necessariamente de “interesses”). Com efeito, especialmente nesse período de crise, a ideia de cooperação entre os advogados (art. 6º do CPC) ganha densidade, o que pode garantir maior flexibilidade e dinamismo aos processos.

Dentro desse espírito de colaboração, pode-se, por exemplo, convencionar o cumprimento antecipado de prazos processuais (atualmente suspensos) e ajustar prazos para futuras manifestações (petição de provas, manifestação sobre o laudo pericial, réplica/contestação à reconvenção etc.). Em tais casos, o juiz não precisa homologar as convenções processuais (arts. 190 e 200 do CPC), prevalecendo, assim, a autonomia da vontade.

Por outro lado, é possível solicitar ao juiz a realização de atos processuais por meio de videoconferência (audiências de conciliação/mediação; audiências para oitiva de depoimento pessoal das partes; entre outros). A propósito, muitos artigos do CPC respaldam o uso dos meios tecnológicos (arts. 236, § 3º, 385, § 3º, 453, § 1º, 461, § 2º etc.).

Na mesma linha, pode-se pleitear conjuntamente ao relator a inclusão de recursos nas pautas de julgamento virtual ou por meio de videoconferência, especialmente nos casos em que não se pretenda fazer sustentação oral (ainda que haja previsão legal). Nessa hipótese, memoriais escritos podem ser encaminhados eletronicamente pelos advogados aos julgadores, inclusive com vídeos gravados e inseridos em Qr Code.

Além disso, é possível sugerir e estabelecer, juntamente com o juiz, calendário processual (art. 191 do CPC), definindo uma sequência de atos e prazos do processo. Como se sabe, o calendário vincula as partes e o juiz, dispensando a intimação das partes para a prática dos atos processuais e das audiências designadas.

Nada obstante, podem-se delimitar consensualmente as questões de fato e de direito para a devida homologação judicial (art. 357, § 2º, do CPC), o que contribui significativamente para o avanço do processo, pois minimiza as chances de eventuais desvios de rota.

Note-se que essa atuação convergente dos advogados também gera um efeito colateral positivo, já que o trabalho conjunto, sob bases colaborativas, pode ser premiado pelo juiz no momento de fixação dos honorários sucumbenciais (“grau de zelo do profissional”; “trabalho realizado pelo advogado” – art. 85, § 2º, do CPC), beneficiando, inclusive, ambos os causídicos (em caso de sucumbência recíproca).

E mais, para aqueles advogados que cobram por fases processuais, a movimentação do processo é crucial para o recebimento de seus honorários.

Em suma, é hora de explorar toda a potencialidade do sistema normativo e fomentar a interação dos advogados.

A pandemia não petrifica os processos e tampouco pode congelar a atuação dos advogados, que, com habilidade e de forma coordenada, conseguem engendrar interessantes soluções, preservando, ao mesmo tempo, os legítimos direitos de seus clientes e seus próprios interesses.”

Por Marcelo Mazzola, sócio do escritório Dannemann Siemsen