Notícias | 20 de setembro de 2011 19:37

Para ficar por dentro da Justiça

Ao completar 15 anos, o Juristur, programa da Amaerj pioneiro em visitas guiadas a um Tribunal de Justiça, consolida parcerias e segue inovando

Até junho deste ano, Guilherme Martinez, aluno da Escola Municipal Andréia Fontes Peixoto, do bairro da Pavuna, no Rio de Janeiro, não parecia nem um pouco interessado no próprio futuro. Agressivo, desinteressado nas aulas e incapaz de construir elos de amizade com os colegas de turma, o jovem de 14 anos era a imagem da desmotivação. Quem visse seu comportamento no dia a dia da escola seria incapaz de imaginar a transformação que estava prestes a acontecer. E que teria início a partir de uma visita ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).

Num sinal de que ainda apostava numa mudança de comportamento, a direção da escola incluiu o jovem no grupo de 40 alunos que visitaria o TJ-RJ. Na hora de simular a sessão do Júri – um dos pontos altos daquela jornada pelos corredores do Judiciário fluminense -, Guilherme foi escolhido para representar o papel de juiz. Resultado: o efeito da experiência foi tão poderoso que em poucos dias o aluno já era escolhido monitor da escola. Entre suas responsabilidades, hoje, estão a montagem de equipamentos para a realização de palestras, a recepção de visitantes e o fechamento do portão. De aluno-problema, Guilherme virou aluno-modelo. 


Alunos da rede municipal com o coordenador do Juristur, juiz Joel Pereira dos Santos

Histórias como a de Guilherme são possíveis, hoje, graças ao programa Juristur/Conhecendo o Judiciário, da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), que promove – muitas vezes de forma lúdica e divertida – a integração entre os cidadãos e o TJ-RJ. A iniciativa é pioneira no Brasil e, considerando os 15 anos recém-completados, pode-se dizer que já cumpria por antecipação a Meta 4 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para 2011, que recomenda a implantação de “pelo menos um programa (por Estado) de esclarecimento ao público sobre as funções, atividades e órgãos do Poder Judiciário em escolas ou quaisquer espaços públicos”.

Voltado para os estudantes do ensino fundamental, médio e universitário, o êxito do programa da Amaerj pode ser avaliado em números. Nos últimos dois anos 1.684 jovens foram beneficiados, entre 712 universitários, 968 estudantes da rede pública e particular e até alunos estrangeiros, como os cinco jovens da Universidade de Osaka, no Japão, que visitaram o tribunal fluminense em maio do ano passado. Contando as instituições de ensino, participaram do programa, entre 2010 e 2011, 14 universidades, 12 escolas públicas e seis escolas particulares, totalizando 66 turmas.

A iniciativa ganhou novo impulso ano passado, com o estabelecimento de parcerias para facilitar o acesso dos jovens ao programa. Foram incorporadas a Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro (SME) e a Fetranspor – Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro. A Prefeitura do Rio, através da SME, é responsável pela seleção das turmas que participam do programa, com ênfase nas escolas situadas em áreas com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Já a Fetranspor é responsável pelo transporte dos estudantes, que sem esse apoio não teriam como vir ao tribunal.

Mais recentemente, o Bairro Educador, programa que atua em parceria com a prefeitura do Rio, executado pelo CIEDS, facilitando a integração entre escola e comunidade também se agregou ao programa. Através da nova parceria, que tem como responsável a gestora de projetos Déborah Sobrino, 200 alunos entraram no cronograma do Juristur. O “juiz” Guilherme Martinez foi um deles.

Outra novidade do programa, este ano, foi a participação de lideranças comunitárias. Encaminhados pelo projeto Justiça Cidadã, do Tribunal de Justiça – dedicado a promover cursos com noções básicas de Direito a membros de associações de moradores e organizações da sociedade civil -, cariocas como Cláudio Antônio, de 42 anos, morador da Cidade de Deus, comemoraram a oportunidade. Para ele, foi uma maneira de “resgatar a cidadania e a dignidade”. Segundo a advogada Francisca Arlete Garcia, funcionária da Amaerj responsável pela logística do programa, líderes comunitários que entram em contato com o Juristur tornam-se, naturalmente, “multiplicadores da experiência única de ver a Justiça por dentro”.


“Rui Barbosa” apresenta as instalações do Palácio da Justiça

Circuito Juristur

 Conhecimento, interação e arte fazem parte do pacote oferecido aos jovens. A visita começa no prédio histórico do Palácio da Justiça, local onde foram realizados os maiores julgamentos do estado do Rio de Janeiro, como o caso Daniela Perez e Tim Lopes. O prédio ainda abriga o Museu da Justiça e toda a área cultural do TJ-RJ.

Nesse ambiente os estudantes são recepcionados por um ator caracterizado de Rui Barbosa, o jurista, político e diplomata que fez história, entre outras razões, por defender o abolicionismo e ser um dos autores da primeira Constituição republicana. De forma lúdica, o personagem conduz os jovens pelo prédio apresentando fatos marcantes da história da Justiça do País. “Conhecer o passado também é importante, ver a evolução do Judiciário. Essa visita proporciona algo mais concreto para nós, para sabermos melhor com o que vamos trabalhar no futuro”, afirmou Pedro Paulo, de 21 anos que estuda Direito na universidade Candido Mendes, do Rio de Janeiro.

Ainda no prédio acontece o primeiro contato dos estudantes com os magistrados. Juízes e desembargadores se revezam na tarefa de passar experiência e estímulo. A mensagem passada para os jovens é de que os sonhos são possíveis, afirmação do juiz Joel Pereira dos Santos, coordenador do programa. “Acreditem em seus objetivos, lutem por isso, porque com garra, luta e trabalho vocês chegarão lá. O sonho de cada um é possível, priorizem o estudo e valorizem a escola e os professores. Aproveitem a visita, a Justiça existe para ajudar a todos nós, para toda a sociedade”, incentiva o juiz.

A visita segue pela Biblioteca do TJ-RJ e pelas câmaras cíveis e criminais. Nesta etapa os alunos recebem explicações sobre o funcionamento de cada uma e entram em contato com as matérias que são julgadas ali e os procedimentos adotados pela corte. Por fim, os estudantes conhecem o Órgão Especial e o Tribunal do Júri, onde realizam um Júri Simulado. “Com todas as explicações, acabei me interessando muito pelo Judiciário. Eu tinha outros pensamentos, mas a busca pela justiça, quem tem razão ou não, me despertou interesse. Gostaria de vir aqui de novo, talvez como juíza”, disse Juliana Ricardo Oliveira, 14 anos, aluna da Escola Municipal Professora Zélia Carolina da Silva Pinho, de Santa Cruz, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro. Como ela, todos os estudantes ganham de brinde duas cartilhas doadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB): “Justiça” e “Cidadania”, com noções gerais sobre o Judiciário, a divisão de Poderes e a Constituição federal.


Juíza Elizabeth Louro com estudantes logo após o Júri Simulado

Simulado Recursal

Visando ampliar o acesso dos estudantes universitários à prática jurídica, ainda este ano terá início o projeto Simulado Recursal. Em parceria com faculdades de Direito a Amaerj selecionará turmas que receberão apostilas com processos reais das Turmas Recursais fluminenses – por questões éticas, as partes terão seus nomes omitidos. Os jovens ficarão responsáveis por defender o seu “cliente” em uma Turma Recursal do TJ-RJ, com a presença dos magistrados, que farão a análise de acordo com a argumentação de cada estudante. Os simulados serão realizados quinzenalmente, sempre com duas faculdades, cada uma trazendo 10 alunos.

“Durante a prática serão avaliados a retórica, a persuasão e o poder de síntese do estudante. A oportunidade obriga o aluno a estudar e se inteirar das leis. O retorno para o acadêmico, tenho certeza, será maravilhoso”, aposta o idealizador do projeto, juiz Paulo Sampaio Jangutta, titular do 7º Juizado Especial e coordenador das Turmas Recursais do TJ-RJ. “Nossa pretensão é que o maior número de estudantes participe, por isso cada um terá seus cinco minutos de fama. Este será o tempo de cada aluno para subir na tribuna e argumentar, passar seu recado. É um tempo mais dinâmico se comparado ao júri. Não queremos que o estudante fique só de espectador, de plateia. No simulado ele terá contato com o Direito real, vivo”, explica o magistrado, que definirá quais processos serão estudados, acompanhando pessoalmente os simulados, com a colaboração de outros juízes.

 

Facebook e interiorização

Os 15 anos de história do Juristur serão celebrados com iniciativas que visam aprimorar a experiência e incrementar a relação com o público. Ainda este ano, o programa lança sua logomarca oficial e um perfil no Facebook. Pela rede social, os estudantes que já participaram ou têm interesse em conhecer o programa terão acesso a vídeos, fotos das visitas e cronograma de visitação. Além disso, quem curtir a página poderá participar de promoções de livros e manter contato direto com a equipe da Amaerj.


Estudantes representam o papel de jurados no 1º Tribunal do Júri da Capital

A abrangência da iniciativa também deve crescer. A Amaerj prepara-se para lançar em 2012 o Juristur Itinerante. A meta é garantir o acesso dos estudantes do interior do estado ao Judiciário. A exemplo da parceria com a prefeitura do Rio, já no seu segundo ano, a Associação vai buscar a colaboração dos municípios do interior, a fim de levar os estudantes da rede pública a conhecer os Fóruns de suas cidades, e a compreender, assim, como funciona a Justiça na prática.


DEPOIMENTOS

Estudantes, professores e líderes comunitários falam sobre o Juristur:

Estudantes

“Achei incrível, fiz um Júri Simulado e adorei. Com todas as explicações, acabei me interessando muito pelo Judiciário. Eu tinha outros pensamentos, mas a busca pela justiça, quem tem razão ou não, me despertou interesse. Gostaria de vir aqui de novo, talvez como juíza”, Juliana Ricardo Oliveira, estudante, 14 anos – Escola Municipal Professora Zélia Carolina da Silva Pinho, de Santa Cruz

“Estamos em um momento de decisão, começando a ver em qual direção seguir, ser juiz ou advogado. Com certeza estar aqui ajuda nesta compreensão. Ao observar cada detalhe podemos entender como tudo funciona”, Fernando Henrique, universitário, 20 anos – Universidade Federal Fluminense (UFF), campus Niterói

“Farei Direito sem dúvida, é o objetivo da minha vida. Desde o caso Isabella (Nardoni), passei a observar os juízes e gostei da profissão. Com o dia a dia nosso sonho fica mais fraco, mas a partir da visita de hoje tenho certeza que conseguirei ser juíza. Como o juiz Joel disse, temos que lutar para alcançar nossos objetivos”, Mikaela Rodrigues, estudante, 15 anos – Escola Municipal Escultor Leão Velloso, da Pavuna

“Pensava que só o juiz decidia tudo, mas no Tribunal do Júri vi que não é bem assim”, Paula Paris, estudante, 14 anos – Escola Municipal República do Peru, do Méier

Professores

 

“Se não houvesse o Juristur, eles jamais teriam a oportunidade de conhecer o Judiciário, de ver como funciona a Justiça”, Iraildes Azevedo Carvalho Martins, professora – Escola Municipal República do Peru, do Méier

“Essa é a oportunidade de mostrar a eles outra opção de vida. Muitos viram os pais e irmãos serem presos ou até morrerem por causa do tráfico. Eu queria que eles vissem a realidade boa, o lado certo, e essa visita pode salvar uma vida. Eles veem os parentes presos no jornal e hoje estão felizes por serem noticiados pelo bem, isso não tem preço. Sempre digo que só depende deles”, Anariam Alves, professora – Associação Beneficente Lar de Maria Dolores

 

“Se a educação faz o seu papel, diminui a demanda da Justiça. Essa visita é essencial para mostrar aos alunos que a Justiça não é uma prerrogativa apenas dos Tribunais, ela está presente na nossa vida. É fundamental que eles pratiquem isso no dia a dia e essa aproximação através do passeio é muito importante”, Eliane Ferreira, professora – Ciep Operário Vicente Mariano, do Complexo da Maré

Líderes Comunitários

“É ótimo passar por todos esses lugares. Antes eu morava em um local sem lei, agora estou descobrindo a lei, a Justiça. Via os juízes como pessoas distantes, hoje vejo que eles são gente como a gente. Pena que esta aproximação não aconteceu antes, mas o importante agora é viver essa união”, Terezinha de Jesus, líder comunitária da Cidade de Deus, 55 anos

Nós somos de uma comunidade que há anos está à margem da sociedade. Ver essa abertura é uma ótima oportunidade de mostrar que existimos. Passarei a todos o que aprendi aqui: resgatar a cidadania e a dignidade, acabar com o medo”, Cláudio Antônio, líder comunitário da Cidade de Deus, 42 anos


Veja fotos do Juristur:

Visita da Escola Municipal República do Peru – 16/06/2011

Visita da Escola Municipal Fernando Barata Ribeiro – 14/07/11

Visita da turma de Direito da Universidade Federal Fluminense (Niterói) – 29/08 e 30/08


Texto: Marcelo Pinto, com Sarita Yara e Diego Carvalho (estagiário) /Fotos: Diego Carvalho e Sarita Yara (Assessoria de Imprensa da Amaerj)