Em troca de e-mails com o defensor público José Augusto Garcia de Sousa, amigo da juíza Patrícia Acioli, assassinada no dia 11 de agosto, em Niterói, o ex-presidente do Tribunal de Justiça (2009-2010), desembargador Luiz Zveiter, faz uma longa e detalhada descrição de fatos ocorridos a partir de 2007 a fim de esclarecer dúvidas sobre pedidos de segurança por parte da magistrada, supostamente não atendidos.
“Tenho certeza de que os autores do odioso atentado contra a vida da Dra. Patrícia Acioli serão exemplarmente punidos. Antes disso é desaconselhável imputar culpados sem provas ou estimular acusações levianas”, diz o desembargador.
Concluída na última sexta-feira 16 de setembro, a troca de mensagens, na qual o ex-presidente do TJ-RJ cita os processos de investigação abertos pelo tribunal – aos quais, informa, a juíza Patrícia teve acesso – pode ser conferida a seguir, na íntegra.
Em Sep 16, 2011, às 17:17, “Des. Luiz Zveiter” <zveiter@tjrj.jus.br> escreveu:
Prezado Dr. José Augusto Garcia de Souza:
Obrigado por sua resposta ao meu convite e compreendo suas razões para não aceitá-lo.
Lamento que, por precipitação de um advogado, o mero resumo do andamento de um processo administrativo tenha suscitado a difusão de informações equivocadas a respeito de decisão tomada por minha Juíza Auxiliar em 13 de março de 2009.
Em sua mensagem difundida pela internet, o senhor pergunta sobre o teor do processo administrativo 2008.231986.
Apesar de supor que já tenha tido conhecimento da íntegra do processo pelo advogado, faço questão de mencionar peças, que estão à sua disposição para conferência, que esclarecem o equívoco do causídico. Senão, vejamos:
O processo começou no dia 28 de agosto de 2007, tendo eu assumido a presidência em 03 de fevereiro de 2009, ou seja, quase 6 meses antes do início de minha gestão.
Originou-se de um ofício dirigido pela Juíza Patrícia Acioli ao então presidente do Tribunal, Desembargador Murta Ribeiro, dando notícia de um Disque-Denúncia que lhe teria sido encaminhado pela Dra Patricia Silva Rego, promotora de Justiça com atuação na 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, que o havia recebido do Promotor de Justiça, Coordenador do 8° CAO, Dr. Cristiano dos Santos Lajoia Garcia.
O mencionado ofício estava vazado nos seguintes termos:
“Sr. Presidente Pelo presente, encaminho a Vossa Excelência o expediente em anexo para ciência, solicitando apuração dos fatos narrados e se possível, que seja informado a esta Magistrada com cópia do expediente. Aproveito a oportunidade para renovar votos de estima e consideração”.
Segundo o referido informe, distribuído também para outras instituições, a saber: Cispen – Coordenadoria de Inteligência do Sistema Penitenciário; Secretaria Municipal de Segurança Publica de São Gonçalo; 1 DN do 1 Distrito Naval e difundido internamente na Secretaria de Segurança Pública do Estado para a S2 (Superintendência de Inteligência), um presidiário, ex-sargento da Marinha, Jonymar Vasconcelos, estaria planejando assassinar a Juíza Patrícia Acioli, que o condenara por homicídio.
Encaminhado pelo então presidente Murta Ribeiro para a Diretoria Geral de Segurança Institucional, em 09 de setembro de 2008 manifestou-se afirmando: “retorno informando que o fato já é alvo de averiguação neste departamento. Até o momento, não foram confirmados dados que apontem para a adoção de medidas de segurança ostensiva”, tendo, em 17 de setembro de 2008, o Diretor à época tomado ciência e determinado o retorno do processo ao DESIN, para monitoramento.
Neste mesmo dia 19 de setembro de 2008, o Diretor também determinou fosse feita a juntada ao procedimento dos termos de diligências referentes aos disque-denúncias recebidos, bem como os resultados obtidos até aquele momento, sugerindo o arquivamento do processo.
Foram então carreados para os autos documentos processados no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro pela Gerência de Inteligência da Coordenadoria de Segurança e Inteligência, além de outros disque denúncias que vinham sendo investigados, datados de 23 de maio de 2008; 10 de junho de 2008 e 06 de agosto de 2008.
Pois bem.
Em 26 de janeiro de 2009, portanto ainda na gestão do presidente Murta Ribeiro, foi feito um relatório final de todo conteúdo do processo pela Diretoria Geral de Segurança Institucional onde em sua conclusão fez consignar: “Após contatos com as agências de Inteligências acima mencionadas, as mesmas informaram que após ações de Inteligências realizadas no intuito de colher o maior número de dados possível a respeito dos dados narrados, os mesmos informaram que até a presente data nenhum fato foi encontrado que fosse digno de registro s.m.j, com relação à ameaça”.
Em 31 de janeiro de 2009 o Diretor da Divisão de Atividades Contingenciais emite parecer afirmando que: “Após avaliação dos depoimentos, diligências e demais ações de coleta de dados, realizadas com o intuito de apurar o teor dos disque-denúncias referentes aos supostos planejamentos de atentado contra a vida da Dr.ª Patricia Lourival Acioli, pode se concluir que: Até a presente data, não foi possível identificar dados em relação aos citados, em tese, que os apontasse como autores ou partícipes de ações contra a magistrada em questão. Desta forma, opino pela não implementação de medidas extraordinárias de proteção em favor da Dr.ª Patricia Lourival Acioli, s.m.j, pela inexistência de fatores determinantes. Seja o presente remetido ao Diretor do DESIN, para conhecimento e providências que julgar cabíveis.”
Abre-se um parêntesis para afirmar que até 31 de janeiro de 2009 todos os fatos se deram quando eu ainda não havia iniciado meu mandato.
Em 12 de fevereiro de 2009, o chefe de gabinete da Diretoria Institucional encaminha “o processo administrativo referente à avaliação de risco da Exma Juíza de Direito Patricia Lourival Acioli, titular da 4ª Vara Criminal da Comarca de São Gonçalo. Após diversas diligências e com o apoio dos órgãos de inteligência, a equipe do Departamento de Segurança Institucional concluiu pela desnecessidade de medidas extraordinárias de segurança. No seu relatório, o Sgt Freitas aborda cada uma das denúncias, dando tratamento a cada uma delas, não tendo sido detectado nenhum dado que confirmasse as denúncias originais. Assim, concordando com o parecer do Maj. Barros, remeto estes autos para sua apreciação e o devido encaminhamento à consideração da Presidência deste Tribunal de Justiça.”
Remetidos os autos ao Diretor Geral, este, em 17 de fevereiro de 2009, após o ciente e de acordo, encaminha os autos à então Juíza Auxiliar, hoje Desembargadora Maria Sandra Kayat Direito, que em 13 de março de 2009, à luz dos pareceres técnicos ratifica entendimento manifestado em 09 de setembro de 2008, repita-se, quase 6 meses antes do início de meu mandato quando era presidente o Desembargador Murta Ribeiro, determinando “o arquivamento do presente feito, por não se vislumbrar a necessidade de adoção de qualquer medida extraordinária de segurança”, mandando “Oficie-se à Magistrada que subscreve fls. 02 informando o teor da presente decisão, remetendo-se cópia de fls. 90 e 91.” Cumpre destacar que a Juíza Patrícia Acioli foi comunicada sobre o desfecho do processo administrativo no dia 20 de março 2009 e não fez qualquer reparo.
Necessário frisar que logo após esta comunicação a Juíza Patricia Acioli em encontro pessoal, que abordo abaixo, sequer mencionou o processo administrativo.
Vale destacar que, já na minha gestão, no dia 03 de fevereiro de 2010, a Juíza Patrícia Acioli encaminhou à presidência outro informe do Disque-Denúncia, segundo o qual um advogado – Augusto César Morgado de Oliveira – estaria tramando sua morte, com ajuda de dois PMs e um cabo dos Bombeiros.
Relatório da Diretoria Geral de Segurança Institucional concluiu, em 07 de junho de 2010, que o referido informe do Disque-Denúncia não apresentava “nenhuma materialidade para realizar uma ligação entre os indivíduos citados e alguma motivação para se cometer um atentado à juíza Patrícia Acioli” vez que o advogado e suposto mentor do plano tinha, inclusive, sido morto antes do ofício da Dr.ª Patrícia, exatamente no dia 14 de janeiro de 2010, por dois assassinos numa moto.
Com base nesse relatório o Juiz Auxiliar da presidência Dr. Fábio Ribeiro Porto, a partir do dia 15 de julho de 2010, oficiou à Dr.ª Patricia Acioli indagando se estava satisfeita com as conclusões. O mesmo comunicado, numa demonstração de zelo administrativo e respeito à magistrada, foi repetido três vezes, todas igualmente por ela ou seu Secretário recebidos, mas a Juíza Patrícia Acioli não respondeu a nenhum deles.
Cumpre finalmente destacar que jamais a Juíza Patrícia Acioli pediu proteção especial ou comentou sobre tal necessidade enquanto fui presidente. Isso sequer aconteceu quando, no gabinete da presidência, mantivemos longa audiência, testemunhada pela desembargadora Maria Sandra Kayat Direito. Na audiência apenas tratou-se de esclarecer uma briga em via pública na qual a Juíza Patrícia Acioli se envolvera junto com seu então namorado, CB PM Marcelo Poubel de Araújo, em São Gonçalo. O relato da audiência consta de um ofício de oito páginas enviado à presidência do Tribunal pela própria Juíza Patricia Acioli.
Cumpre destacar que em relação aos processos administrativos referidos, a presidência do Tribunal não agiu com base em conclusões axiomáticas, que poderiam resultar em erro de avaliação; mas acatou pareceres técnicos do setor competente – a Diretoria Geral de Segurança Institucional -, os quais, mediante investigações substanciais, provaram serem completamente infundadas, na época, supostas ameaças que motivaram informes do Disque-Denúncia.
O odioso atentado contra a vida da Dra. Patrícia Acioli tenho certeza de que os autores serão exemplarmente punidos. Antes disso é desaconselhável imputar culpados sem provas ou estimular acusações levianas.
Finamente, muitos de meus pares podem testemunhar em favor de várias iniciativas que tomei quanto à segurança de magistrados durante minha gestão à frente do Tribunal.
Colocando-me à disposição para quaisquer outros esclarecimentos que por ventura o senhor ou qualquer membro da família pretenda,
Atenciosamente
Luiz Zveiter.
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De: joseaugustogarcia [mailto:joseaugustogarcia@predialnet.com.br]
Enviada em: domingo, 28 de agosto de 2011 19:16
Para: Des. Luiz Zveiter
Assunto: Re: Reiteração de convite
Prezado Des. Luiz Zveiter
Em primeiro lugar, devo dizer que não recebi a mensagem de 23/08. Outrossim, agradeço a gentileza do convite. Mas entendo que não será necessário. A família pensa realmente — com base não só nos documentos levantados, mas com base também nas conversas que tivemos com Patrícia ao longo dos últimos anos — que houve falha na segurança dela, de resto um pensamento compartilhado por muitos membros do próprio Poder Judiciário. Uma falha que começou basicamente em 2007 e veio até o dia do hediondo assassinato. A tal conclusão se chega de maneira axiomática. Era notório (a partir até mesmo de matérias jornalísticas de grande repercussão) que a corajosa juíza Patrícia Acioli corria imenso risco. E agora ela está morta.
Atenciosamente,
José Augusto Garcia de Sousa.
—– Mensagem Original —–
De: Des. Luiz Zveiter
Para: joseaugustogarcia@predialnet.com.br
Data: Friday, 26 De August De 2011 14:18
Assunto: Reiteração de convite
Prezado Dr. José Augusto,
Como não obtive resposta ao convite que formulei ao senhor no dia 23 do corrente mês para comparecer ao meu Gabinete na Lamina IV Sala 601, oportunidade na qual demonstraria não ser verdadeira a afirmação de que eu teria negado segurança a Dra Patricia, venho pelo presente reiterar o convite formulado.
No aguardo de uma resposta,
Atenciosamente,
Luiz Zveiter
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De: Des. Luiz Zveiter
Enviada em: terça-feira, 23 de agosto de 2011 20:42
Para: joseaugustogarcia@predialnet.com.br
Assunto:
Prezado Dr. José Augusto,
Tomei conhecimento do email que o senhor encaminhou relativamente a um processo administrativo o qual, pelo andamento constante na internet, da a entender que eu, quando Presidente do Tribunal, teria negado segurança a Dra Patricia.
Terei o maior prazer em recebê-lo em meu Gabinete na Lamina IV Sala 601 quando terei a oportunidade de esclarecer demonstrando que o fato não é verdadeiro.
No aguardo,
Atenciosamente,
Luiz Zveiter