O jornal “Monitor Mercantil” publicou nesta quarta-feira (5) o artigo “Vertigens da paixão”, de autoria do desembargador Wagner Cinelli, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). No texto, o magistrado aborda a violência contra a mulher e informa os canais de apoio às vítimas.
“O assunto é sério e urgente, sendo que o homem que agride é o mesmo que mata. Por isso, a mulher enredada nesse tipo de situação deve procurar apoio, seja nas suas redes pessoais, seja junto a diversos serviços e instituições”, ressalta.
O desembargador destaca as opções de suporte que a mulher vítima de violência pode buscar: “Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), Disque Direitos Humanos (Disque 100), Delegacia de Atendimento à Mulher, Defensoria Pública (Núcleo de Atendimento à Mulher), Ministério Público (Promotoria da Violência Doméstica e Familiar), Judiciário (Juizado de Violência Doméstica e Familiar), Polícia Militar (190), Disque Denúncia, conselhos municipal e estadual de direitos das mulheres e ONGs dedicadas ao tema”.
Wagner Cinelli é autor do livro “Sobre ela: uma história de violência”, publicado pela Editora Gryphus, e diretor do premiado curta-metragem de animação “Sobre Ela”.
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Confira abaixo a íntegra do artigo do desembargador:
Vertigens da paixão
Primeiro era vertigem, como em qualquer paixão. Sim, Lulu Santos tem razão, as paixões costumam trazer vertigens. A letra da canção, mais adiante, diz: “Às vezes é tormenta / Fosse uma navegação / Pode ser que o barco vire / Também pode ser que não”. Dissolvida a nuvem da paixão, o cotidiano de um casal traz conflitos, que podem ser menores ou maiores, chuviscos ou tempestades. Pode até ser que o barco vire, mas também pode ser que não.
Paixão, vertigem, casal e conflitos. Tudo de acordo desde que estejamos diante de relações simétricas. Havendo igualdade e respeito, o script está valendo, vire o barco ou não, isto é, sigam separados ou juntos. O que não se pode aceitar é o comportamento abusivo do companheiro, que reproduz o que tantos já fizeram e infelizmente tantos continuam a fazer, que é subjugar, controlar e dominar a mulher.
Mas se o primeiro beijo deu quase desmaio, o que ocorreu para que o relacionamento evoluísse para o controle e a agressão? Sentimento de posse dele em relação a ela? Que ele tem mais direitos do que ela? Que tem direitos sobre ela? Sobre o querer dela? A lista de perguntas pode ficar extensa, mas a resposta a qualquer uma delas revela o equívoco dele sobre seu relacionamento com ela, sobre ela e sobre si próprio.
Cair a trave dos olhos desse homem dominador e abusivo seria o céu, mas não é tarefa fácil. A questão é que a mulher que é vítima de um homem agressivo não dispõe de tempo e esperar pode ser arriscado.
O feminicídio é o assassinato da mulher em razão do gênero, ou seja, pelo fato dela ser mulher. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, edição de 2020, mostra que houve um crescimento de 7,1% de feminicídios em relação ao ano anterior, a indicar que a curva é ascendente. Revela que 1.326 mulheres foram vítimas desse crime em 2019. Sobre elas, 66,6% eram negras, 56,2% tinham entre 20 e 39 anos e 89,9% foram mortas pelo companheiro ou ex-companheiro.
Evidencia-se, pela natureza do delito, que o grupo vulnerável é o das mulheres, com super-representação da mulher negra com idade entre 20 e 39 anos. Outro dado importante é o local onde os feminicídios aconteceram: residência (58,9%), via pública (25,4%) e outros lugares (15,7%).
Assim, a média de mulheres vítimas de feminicídio no Brasil em 2019 foi de 110 por mês. Dessas, aproximadamente 100 foram assassinadas por homens com quem se relacionaram. Logo, todo dia daquele ano ao menos 3 mulheres se tornaram vítimas fatais de seus companheiros e o lugar do crime, na maioria das vezes, foi uma residência. Portanto, para a mulher vítima de violência, o lar não significa aconchego, mas exposição ao risco.
Os números são alarmantes, e a imprensa tem desempenhado importante papel para a conscientização a respeito dessa triste realidade, sendo que os casos mais veiculados costumam ser os que ocorrem nos grandes centros urbanos, com destaque para aqueles executados com requintes de crueldade. Outro ingrediente a atrair a atenção é quando o golpe fatal é ultimado na presença dos filhos, o que lamentavelmente não é nada raro nesse universo delitivo.
O assunto é sério e urgente, sendo que o homem que agride é o mesmo que mata. Por isso, a mulher enredada nesse tipo de situação deve procurar apoio, seja nas suas redes pessoais (parentes e amigos), seja junto a diversos serviços e instituições, como Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), Disque Direitos Humanos (Disque 100), Delegacia de Atendimento à Mulher, Defensoria Pública (Núcleo de Atendimento à Mulher), Ministério Público (Promotoria da Violência Doméstica e Familiar), Judiciário (Juizado de Violência Doméstica e Familiar), Polícia Militar (190), Disque Denúncia, Conselhos municipal e estadual de direitos das mulheres e ONGs dedicadas ao tema.
A mulher vítima precisa saber que não está sozinha, que tem portas nas quais bater e que deve fazê-lo antes que essa opção lhe seja usurpada. Por isso, precisamos falar sobre esse assunto. Assim, em um futuro que não queremos distante, as vertigens da paixão poderão ser apenas aquelas dos bons momentos e a mulher, como no canto feliz de Lulu, poderá, livre de medos, sempre voltar para casa outra vez.