CNJ | 20 de outubro de 2016 15:03

‘A Justiça Além dos Autos’: O Caso do Papagaio

dicas-para-criar-papagaios1

Juíza de Direito Ana Maria Ferreira da Silva

1.º JEFAZ – Brasília / DF

Em 16 de novembro de 2015, estava participando do Seminário Internacional do Consumidor, realizado no Superior Tribunal de Justiça. Encerrados os trabalhos, retornei à 1.ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública do Distrito Federal, com o fito de dar andamento aos processos e de analisar, preferencialmente, os pedidos de antecipação de tutela.

Deparei-me com o primeiro pedido do dia, inusitado e bem diverso dos habituais no âmbito da Fazenda Pública. O processo versava sobre um clássico conflito de interesses: de um lado, o poder de polícia do Estado, que impõe a atuação no sentido de conter práticas consideradas ilícitas e que acarretem, de alguma forma, em deterioração do meio ambiente; de outro, o direto de uma senhora que buscava permanecer com o seu animal de estimação, um papagaio, com o qual possui forte relação afetiva e de companheirismo.

Nos autos, era contada a história de uma senhora, dona de um papagaio chamado Chico há mais de 18 anos, que teve seu animal apreendido e levado de sua residência, durante uma operação promovida pelo Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Distrito Federal – Brasília Ambiental (IBRAM/DF).

Para tanto, informaram os agentes do IBRAM que a autora não possuía licença ambiental para criar aquele animal, classificado como silvestre, não podendo, assim, viver em cativeiro, a menos que devidamente licenciado pelo órgão competente.

Acrescentava a autora, em sua petição inicial, que, naquela oportunidade, não bastasse a retirada da ave, foi-lhe também aplicada uma multa no valor de cinco mil reais. A autora sustentou sua forte relação com papagaio Chico, destacando que ele era como um “filho”. Informava, ainda, que não possuía condições de pagar a multa que lhe fora aplicada e que vivia na condição de doméstica, cuidando de seu neto, órfão de pai. Como pedido liminar, a autora requereu que fosse determinada a devolução do papagaio para o seu lar, enquanto o processo não fosse julgado.

Por se tratar de situação pouco comum, que foge à regra dos processos que costumamos julgar em nosso dia a dia, percebi que deveria me atentar em algumas peculiaridades. Em primeiro lugar, seria necessário entender a relação existente entre a autora e o seu papagaio de estimação. Aqui, foi preciso levar em conta algumas questões relevantes, como o fato de que a autora cuidava do animal desde quando ele nasceu, há 18 anos, bem como a estreita relação com o animal, considerado, por todos do convívio da autora, como um membro da família.

Por representar área estranha ao Direito, voltada aos conhecimentos da Biologia, a situação exigiu a busca por algumas informações que permitiriam um melhor entendimento, por exemplo, saber qual a espécie do papagaio e quantos anos ele vive. Nesse ponto, buscou-se saber se a ave, já com 18 anos de idade, ainda teria algum tempo de vida, de forma que a autora pudesse desfrutar de sua companhia.

Feita a pesquisa, descobriu-se, com surpresa, que o pássaro, objeto da lide, ainda era jovem, tendo em vista que a espécie possui tempo médio de vida de 90 anos. Diante da informação surpreendente e do fato de que a autora se encontrava em fase difícil de sua vida, devido à morte prematura de seu filho, fato este que tornava a perda do papagaio ainda mais dolorosa e difícil de suportar, partiu-se para a análise dos documentos apresentados, com o objetivo de apurar a real situação do animal. Nela, restou comprovado que o IBRAM não registrou qualquer situação de maus-tratos contra o animal, que se encontrava totalmente domesticado. Havia, inclusive, uma foto da autora com o papagaio Chico, em sua mão.

Nesse cenário, esta magistrada entendeu que o melhor a ser feito, naquele momento, era devolver o animal à sua proprietária. Caso continuasse apreendida, a ave poderia passar por grande estresse, causando-lhe patologias, tal como a depressão, configurando-se como danos irreparáveis. Afinal, o jovem papagaio Chico também já era, muito provavelmente, bastante apegado à sua dona e ao seu lar.

Desnecessário dizer que os prejuízos a serem suportados pela autora, ao ser afastada de seu animal, mostravam-se desproporcionais em relação aos fins buscados com a apreensão do animal. Importa ressaltar a consideração obrigatória do princípio da proporcionalidade, assegurando que todas as medidas tomadas, em nome dos deveres (limitação ou redefinição do conteúdo de direitos fundamentais), estivessem ajustadas ao sistema constitucional, resguardando, além disso, sempre o núcleo essencial do direito fundamental afetado.

Desse modo, observadas todas as peculiaridades do caso exposto, não se mostrou razoável manter o animal apreendido, isso porque, segundo a previsão do art. 25, §1.º, da Lei 9605/98, os animais apreendidos nestas circunstâncias “serão prioritariamente libertados em seu habitat ou (…) entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, para guarda e cuidados sob a responsabilidade de técnicos habilitados”.

Apesar do caráter protetivo da referida norma, considerou-se que, ao se cumprir a supracitada previsão, o animal certamente seria submetido a condições às quais não estaria adaptado, diante do longo período no qual permaneceu em ambiente doméstico, fato este que acarretaria risco à sua sobrevivência.

Assim, foi deferido o pedido para se proceder a busca do papagaio Chico. Neste momento, o animal devolvido já se encontra ao lado de sua dona, e o processo encontra-se aguardando a resposta do IBRAM-DF, para, posteriormente, ser julgado.