Juiz de Direito Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Lins / SP
Quando eu era criança, duas expressões, às quais o noticiário sempre se referia, intrigavam-me. A primeira delas era “Ministério Público”, pois eu compreendia, por exemplo, quais eram funções dos Ministérios da Saúde e da Educação, mas não entendia o porquê da denominação do “público” e muito menos, quais tarefas lhe incumbiam. Achava que era um órgão do Poder Executivo, dada a semelhança dos nomes. Somente com o passar do tempo, soube que se tratava de uma instituição com funções bem definidas e das mais confiáveis. Acabei até sendo estagiário do MP (dos Drs. Paulo Sérgio, Roberto, Júlio, Noêmia, Gilberto etc.), onde mantenho muitos amigos.
“Urgência urgentíssima” era a outra expressão enigmática. Não era tão simples entender que, dentre as situações urgentes, poderia haver as urgentíssimas. Eu nem sonhava com o significado superlativo. Com o tempo, soube que os regimentos das Casas Legislativas costumam prever maneiras mais céleres de serem analisados alguns assuntos tidos como “urgentíssimos”.
Hoje eu sinto, na pele, a existência da “urgência urgentíssima”. Muitos não sabem, mas a aflição do Juiz, no momento da escolha do caso que vai decidir, talvez se equipare a que lhe acomete no ato de redigir a decisão. O acúmulo de serviço costuma exigir do magistrado um prejulgamento. É evidente que não digo respeito à interferência de uma ideia preconcebida e à contaminação da imparcialidade, mas ao esforço que o Juiz faz para, dentre os muitos casos pendentes, selecionar os que primeiramente merecerão a sua atenção.
Os critérios legais e regulamentares de preferência são tantos, que o que deveria ser exceção tem se tornado regra, a ponto de inviabilizar a efetividade dos privilégios. A preferência regrada ora leva em conta a condição da parte (processos envolvendo idosos ou réus presos, por exemplo), ora considera a antiguidade do recebimento do processo no gabinete do Juiz (exigência da Corregedoria/CPC), ora privilegia o assunto tratado (demandas eleitorais, mandados de segurança, pedidos de prisão ou de liberdade etc.), ora se revela pela roupagem dada ao pedido (liminar, cautelar ou de antecipação dos efeitos da tutela). O fato é que não é tão simples cumprir todas as regras e, ao mesmo tempo, ser justo com o jurisdicionado.
Esperar mais um dia na cadeia, só porque o Juiz ainda não apreciou o pedido líquido e certo de prescrição, não é justo. Deixar a polícia cercando um imóvel, por horas, até deliberar sobre uma busca domiciliar é um desestímulo para os policiais e pode ser um incentivo à impunidade, já que o produto ilícito pode desaparecer. Protelar a assinatura de uma guia de levantamento que servirá para a parte ou o advogado custearem seu sustento pode ser leviandade. Deixar para depois o requerimento de ordem liminar, para que a Secretaria da Saúde se abstenha de sacrificar um cão com leishmaniose (caso que tramita em Cafelândia), pode parecer bobagem para quem não é o dono do animal. Não há dúvida das urgências.
Fazendo uma análise rápida das situações já enfrentadas, concluí que o mais intenso sofrimento a que se pode submeter uma pessoa consiste em obrigá-la, o que de certa forma o Juiz acaba fazendo se não agir com rapidez, a conviver com uma companhia indesejada ou a manter distância da pessoa desejada, como também restringir a sua liberdade de ir e vir. Por isso, merece respeito o pedido de uma mulher atemorizada, para que se delibere sobre a separação de corpos. Também por isso, deve-se apreciar, com agilidade, o pedido de interrupção da gravidez do feto anencéfalo. Pelos mesmos motivos, as decisões sobre a guarda e a adoção de uma criança esperançosa, sobre a visitação e sobre a liberdade de quem pode ser um inocente desconsolado não podem esperar.
O mérito da decisão pode até não agradar, mas a apreciação requer possível rapidez. Em “A Voz da Toga”1 , capítulo XI, o magistrado Eliézer Rosa escreveu: “Um Juiz do cível tem problemas árduos para resolver, mas os Juízes criminais e de família têm problemas que envolvem valores humanos, sociais, espirituais, que, se os demais Juízes também os têm, serão em menor escala”.
O resto, apesar da urgência, em tese, pode aguardar: a desocupação de um imóvel não provoca dor íntima; a cobrança judicial não ofende. Em outros casos, pode-se conseguir dinheiro emprestado, compra-se a prazo, busca-se ajuda na assistência social, oculta-se o cão até o pronunciamento judicial, colhem-se outras provas contra o infrator etc.
Posso estar enganado, mas urgentíssima é a decisão que tem, por objetivo, separar ou reunir pessoas, já que poucas situações são tão tormentosas para o ser humano do que a convivência ou a distância forçadas…