Juíza de Direito Amália Regina Pinto
Duque de Caxias / RJ
Um réu, morador de rua, foi preso por tentativa de furto. Distribuído o respectivo auto de prisão em flagrante para a vara criminal da qual sou titular, foi requerida pelo Ministério Público a conversão de sua prisão em preventiva, visto que sua folha de antecedentes criminais ostentava diversas anotações referentes a outros fatos capitulados nesse mesmo delito, e não tendo ele domicílio certo nem ocupação lícita, foi mantida a sua prisão.
Entretanto, na audiência de instrução e julgamento, e por ocasião de seu interrogatório, vislumbrou-se a possibilidade de ser o mesmo inimputável, ocasião em que a própria defesa requereu a instauração do incidente de insanidade mental, o que foi deferido, sendo o mesmo imediatamente transferido para Hospital Penitenciário, com a recomendação de que ali ele deveria permanecer até a realização da perícia, mas, antes, deveria ser avaliado e submetido a tratamento médico, o que de fato aconteceu.
Com a vinda do laudo pericial, constatou-se que ele era portador de doença mental que lhe impedia de discernir o caráter criminoso do fato que praticara, sendo, por conseguinte, declarada a sua inimputabilidade. Contudo, os peritos consideraram que, diante do tempo em que ele se encontrava internado e em tratamento medicamentoso, a medida de segurança, para ele indicada, seria a de tratamento ambulatorial, já que o mesmo não demonstrava periculosidade. Sobreveio a sentença alicerçada na prova pericial, sendo-lhe aplicada a medida de segurança sugerida naquele laudo.
Esgotada a minha jurisdição naquele processo com a prolação da sentença, estando o réu em um Hospital Penitenciário e diante da medida de segurança aplicada, ao Juízo só restava ordenar a sua soltura. Eis que surge a peculiar situação: o réu declarara, em seu interrogatório, que tinha mãe e irmãos vivos, e com eles morava, antes de se debandar para as ruas, mas não soube informar o endereço correto dos mesmos. Diante disso, percebi que a sua soltura tornaria inócua a medida aplicada e poderia colocar em risco a sua vida, inclusive pela ausência de médico, considerando, ainda, que era iminente a possibilidade de o mesmo voltar a delinquir.
Mantê-lo encarcerado seria ilegal, diante dos termos da sentença. Assim, determinei imediatamente as diligências necessárias para a localização e intimação de seus familiares. Eis que designei uma audiência especial para o comparecimento dos mesmos, para as necessárias explicações sobre a necessidade de ser concretizada a medida de segurança a que lhe fora aplicada. Todavia, as diligências restaram infrutíferas, por não serem localizados os respectivos endereços desses aludidos parentes. Nesse caso, para onde iria o réu?
Foi então que me ocorreu a ideia de pesquisar junto aos abrigos próximos ao local de minha jurisdição, qual deles poderia recebê-lo e assumir a responsabilidade de providenciar o cumprimento da medida de segurança consistente no tratamento ambulatorial. Uma das instituições procuradas, mostrou-se solidária à questão e a administração comprometeu-se a recebê-lo, além de diligenciar imediatamente à procura de seus parentes e, caso não os encontrasse, mantê-lo naquele abrigo, providenciando o tratamento necessário até que fossem tomadas as medidas cabíveis no âmbito civil.
Para sorte do réu, o abrigo conseguiu localizar sua mãe e irmãos, chamando-os àquela instituição. Aí, o inusitado aconteceu: a família dele ficou profundamente emocionada e estarrecida, porque, há tempos, havia realizado o seu sepultamento, já que, equivocadamente, fora reconhecido um corpo, certamente em estado de decomposição, como sendo o dele. Assim, em meio a uma grande comoção de populares, que se aglomeraram naquela instituição, o réu foi entregue a sua família, mas a insólita situação não restou concluída.
É que o Ministério Público, inconformado com a sentença desta Juíza, que aplicou ao réu a medida de segurança sugerida pelos peritos médicos, interpôs o competente recurso de apelação. A zelosa representante do Ministério Público, com atribuição na vara de minha titularidade, estando de licença médica, mas desejando elaborar as razões recursais, solicitou ao seu colega, Promotor de Justiça Tabelar, que levasse o respectivo processo à sua residência, no que foi atendida. No meio do caminho, porém, aquele ilustre Promotor foi assaltado, sendo compelido a entregar seu veículo aos meliantes, que levaram, também, o processo do reaparecido réu.
Atualmente, os autos se encontram em fase de restauração, e ele terá que esperar um longo tempo, para que seu destino seja decidido na segunda instância.