Justiça Eleitoral | 07 de outubro de 2016 14:19

Eleição curta foi mais judicializada – e tem até candidato com condenação definitiva

* Jota

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O ex-prefeito de Palmas Raul de Jesus Lustosa Filho (PR) reuniu em seu palanque os principais medalhões da política tocantinense, como o ex-governador do Estado Siqueira Campos (sem partido) e a senadora Kátia Abreu (PMDB), numa tentativa de derrotar o colombiano e atual prefeito Carlos Amastha (PSB).

Apesar de ter angariado apoios de peso, Raul Filho foi “traído” pelo eleitor mais fiel de todo candidato – ele próprio. O ex-prefeito não votou em si mesmo porque está com o título de eleitor e os direitos políticos suspensos devido a uma condenação por um crime ambiental já transitada em julgado.

O ex-prefeito foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região a um ano de reclusão e ao pagamento de multa no valor de R$ 25 mil por um crime ambiental. Segundo o Ministério Público Federal, Filho construiu em Área de Preservação Permanente, às margens do lago da usina Luis Eduardo Magalhães, em Miracema do Tocantins, sem a licença necessária. Um laudo do Ibama diz que a intervenção levou à perda da biodiversidade e da beleza cênica local, além de impedir o trânsito normal da fauna nativa.

O caso transitou em julgado em seis de agosto de 2012. Em abril deste ano, o juiz federal Gabriel Brum Teixeira, da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Tocantins, determinou o início do cumprimento da pena.

Mesmo assim, o candidato que sequer pôde votar em si mesmo foi considerado ficha-limpa por unanimidade de votos pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Tocantins e somou 31,43% dos votos válidos contra 52,38% de Amastha, eleito no primeiro turno.

Para obter este feito, entrou com quatro medidas jurídicas diferentes e obteve no dia 25 de agosto uma liminar monocrática na revisão criminal, depois de insistir no pedido pela quarta vez, concedida pelo desembargador federal Ney Bello suspendendo a condenação criminal.

No país dos fichas-sujas

O caso de Raul Filho é um exemplo extremo de como os partidos políticos vão até o limite para viabilizar a candidatura de políticos enrolados com a Justiça. Nas eleições deste ano, mais de 830 candidatos foram barrados pela Lei da Ficha Limpa e outros 1658 concorreram sub judice. O PMDB foi o campeão, com 93 candidatos barrados e outros 213 pendurados. “Os políticos apostam em tecnicidades jurídicas para afastar a inelegibilidade”, afirma o procurador regional eleitoral do Tocantins George Lodder.

Em parte dos casos é possível dizer que há dúvidas se um candidato poderá ou não disputar a eleição devido à própria legislação. “Muita gente descobre que é ficha-suja só depois que é impugnado”, afirma o advogado Ricardo Penteado, especialista em direito eleitoral. “Não é qualquer rejeição de contas, por exemplo, que gera inelegibilidade. Para tanto, é preciso que ela contenha um vício insanável e um ato doloso de improbidade administrativa que só são aferidos pelo juiz eleitoral”.

Segundo um advogado que conhece as entranhas dos partidos políticos, não é feita nenhuma espécie de triagem para evitar fichas-sujas. “Não há vontade nem profissionalização para fazer isso. Se o candidato estiver com todos os documentos em dia, não há quem negue legenda. Os partidos têm interesse que saia o maior número possível de candidatos proporcionais para aumentar o quociente partidário”, afirma.

O idealizador da lei da Ficha-Limpa, o ex-juiz federal Márlon Reis, concorda que existe um certo grau de incerteza se um candidato será inelegível ou não. “Agora, o caso de Raul Filho é emblemático, não deveria haver dúvida”, comenta Reis. “A lei não mudou a cultura dos partidos, que continuam a dar legenda aos mais poderosos e mais influentes. Eles não se envergonham nem são punidos pelos seus erros”.

Ficha-limpa 2.0

Tanto Reis quanto o promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, acreditam que uma nova lei deveria ser editada para punir os partidos políticos que oferecessem legenda a fichas-sujas flagrantes.

“O número de candidatos barrados mostra que há uma postura prepotente e autoritária dos partidos. Eles deveriam cumprir a legislação sem a necessidade de judicialização caso a caso”, afirma Livianu. “Precisamos evoluir legislativamente para penalizar os partidos com punições pesadas na participação do fundo partidário”.

Indefinição

Como o calendário eleitoral neste ano foi mais curto e os partidos insistem em lançar candidatos com problemas na Justiça, 145 cidades estão com as eleições completamente indefinidas já que os candidatos mais votados concorreram com seus registros de candidatura indeferidos, mas aguardam julgamento na Justiça Eleitoral. Dos 145 casos, apenas 5 já chegaram ao TSE.

“Essa foi a eleição mais judicializada da história e foi muito ruim para a Justiça Eleitoral a mudança no calendário. Temos em torno de 2 mil recursos para julgar ainda aqui no Tribunal”, afirma o juiz eleitoral André Lemos Jorge, membro do TRE-SP. No Pará, a situação é similar. “De cerca de 900 recursos, apenas 400 foram julgados pelo TRE”, diz o procurador regional eleitoral Bruno Valente.

No estado de São Paulo, eleitores de 24 cidades não sabem ainda quem assumirá a prefeitura. Em Taubaté, o candidato mais votado foi o tucano Ortiz Júnior, com 74.589 votos. O problema é que Junior foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do cargo de prefeito em agosto último por 4 votos a 3 e por abuso de poder político e econômico. Por isso, estaria inelegível por oito anos e foi considerado um ficha-suja. Ortiz é um dos 1658 candidatos barrados que disputaram a eleição recorrendo e, portanto, ainda pode voltar a ocupar a cadeira de prefeito.

Segundo o Ministério Público, Junior influenciou seu pai Bernardo Ortiz, então presidente da Fundação para Desenvolvimento da Educação (FDE), a fraudar licitações para compra de mochilas. Em contrapartida, as empresas beneficiadas pagaram uma “comissão” para a campanha eleitoral de Junior em 2012. A principal prova do processo é um cheque de R$ 34 mil, emitido em agosto de 2011 por um lobista. Como ainda cabe embargos a essa decisão do TSE, o pleito em Taubaté segue indefinido.

Mesmo em Palmas pode haver mudanças – não no cargo de prefeito, mas no status de um derrotado. Como o STJ cassou a decisão que beneficiava Raul Filho, o procurador regional eleitoral George Lodder pediu para que o acórdão do TRE-TO seja modificado e o ex-prefeito tenha o registro de sua candidatura indeferida. Assim, Raul Filho poderá finalmente ser chamado pela designação que lhe é devida: a de ficha-suja.

Fonte: Jota