Mercado editorial prepara lançamentos para saudar os cem anos do ‘Poeta da Pedra’

por SERGIO TORRES

Poeta dos mais surpreendentes e talentosos da língua portuguesa em todos os tempos, o pernambucano João Cabral de Melo Neto, vivo fosse, teria completado cem anos de idade em 9 de janeiro passado. Para comemorar o centenário, pesquisadores da obra do poeta preparam importantes lançamentos editoriais neste 2020.

Está previsto para junho o lançamento de um volume com as poesias completas de João Cabral, que morreu em 1999 no Rio de Janeiro, cidade onde vivia desde que aposentou-se da carreira diplomática.

Após anos de estudos e pesquisas, o especialista Antonio Carlos Secchin, também poeta, levantou versos inéditos de João Cabral, que serão acrescentados às obras completas em poesia que a editora Companhia das Letras, pelo selo Alfaguara, planeja publicar neste semestre.

Há quatro décadas Secchin dedica-se à análise aprofundada da obra do poeta, nascido no Recife em 9 de janeiro de 1920. Em recente entrevista ao jornal “Correio Braziliense”, o pesquisador fala que João Cabral esmerou-se, ao longo de sua carreira nas letras, tanto na forma quanto no conteúdo, o que o diferencia dos colegas de geração e ofício.

“Ele enfatiza o conhecimento técnico contra uma tradição do improviso ou da inspiração. Esse lado da forma é que sustenta a permanência do escritor. (…) Gostaria de ressaltar o tratamento diferenciado que [João Cabral] dá à temática social. Desde Castro Alves se fala do social, mas nunca como na poesia de João Cabral. Não é uma poesia paternalista, dona da verdade, que assuma o bem contra o mal, tentação da poesia engajada. A realidade é tão escandalosa que o simples fato de ser retratada é uma denúncia”, afirmou Secchin, que organiz a e coor dena o volume completo das poesias, com cerca de 40 modificações feitas a partir de anotações deixadas pelo poeta em caderno localizado por ele.

João Cabral de Melo Neto também ganhará este ano um volume de prosa com entrevistas, pronunciamentos, discursos e textos variados. O levantamento é resultado da pesquisa de dez anos desenvolvida pelo especialista Sérgio Martagão.

Há ainda a tese de doutorado da pesquisadora Ednéia Ribeiro, que descobriu 40 poemas inéditos e textos em prosa que também não foram publicados.

“Entre essas descobertas, a grande surpresa fica por conta do inédito ‘A poesia brasileira’. Primeiro, porque é um texto mais longo e complexo, à altura dos já conhecidos ‘Poesia e composição’ e ‘Da função moderna da poesia’. Depois, porque faz reflexões importantes sobre a situação da literatura produzida no Brasil em meados dos anos 1950, fazendo distinção entre poetas profissionais e poetas circunstanciais e bissextos”, contou Ednéia ao jornal diário de Brasília.

João Cabral foi empossado na Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1969. A marca de sua incrível produção literária é o rigor estético. Sua obra é avessa a sentimentos. O uso de palavras-objetos, como pedra, faca, lâmina, é constante. Aqueles vocábulos que os poetas mais tradicionais costumam empregar em seus versos, como amor, paixão e similares, passam bem longe do texto cabralino.