Os Desafios do Clima
A ninguém é permitido dizer que desconhece o aquecimento global e os eventos climáticos resultantes
Artigo de Elton M. C. Leme (desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro)
Com 7,7 bilhões de habitantes, o planeta vê alterado o seu ambiente. Especialmente no fim do século 19 e no século 20, com a intensificação das modalidades de poluição, a ação antrópica passou a afetar mais o clima. O aumento da atividade industrial, o uso em larga escala de combustíveis fósseis, queimadas e desmatamentos passaram a contribuir para a maior concentração na atmosfera dos gases de efeito estufa, gerando o aquecimento global. Embora houvesse inicialmente dúvidas sobre a causa do problema, que poderia estar relacionado a ciclos naturais do planeta, as reiteradas evidências científicas, baseadas em pesquisas sofisticadas, convergem ao indicar como causa direta a escala, sem precedentes, da atividade poluidora humana.
A crise climática é diretamente relacionada a fenômenos que desencadeiam profundas alterações no ambiente. Os eventos da natureza assumem proporções catastróficas, com prejuízos materiais, perdas de vidas e biodiversidade. Destacam-se chuvas mais intensas, inundações, afogamento de áreas litorâneas pela elevação dos mares, secas severas, ciclones e furações onde não eram antes observados, deslizamentos, calor ou frio fora das médias e épocas próprias, grandes incêndios florestais. As anomalias afetam a produção de alimentos, comprometem a produção energética, reduzem a disponibilidade de água potável, provocam proliferação de doenças e pragas, interferem na mobilidade regional e urbana, intensificam a degradação ambiental, aumentam a erosão, deslocam contingentes humanos, geram perdas até permanentes na capacidade produtiva, interrompem serviços essenciais, elevam gastos públicos e privados.
As respostas no campo jurídico não são novas. Destaco a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que consagrou a ideia de desenvolvimento sustentável. A Rio 92 produziu primorosas convenções sobre a proteção da diversidade biológica, o combate à desertificação e a mudança climática. Mais de 20 anos depois, o malogro dos esforços internacionais e o agravamento da crise climática possibilitou amplo consenso na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, manifestado por meio do Acordo de Paris, ratificado em Nova York em 2016. Essa convergência de vontades expôs ao universo jurídico internacional a realidade climática sob a influência do homem, estabelecendo, dentre outras obrigações, a de adaptação, para reduzir a vulnerabilidade natural e humana frente aos efeitos da mudança do clima. Diante da repercussão no sistema normativo de países como o Brasil, há um dever acessório de adaptação conformador da vida em sociedade, do Estado ao indivíduo, como corolário da boa-fé objetiva ambiental.
Antes mesmo do Acordo de Paris, o Brasil editou a Lei 12.187 (dezembro/2009), que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima. Nela reconheceu que todos têm o dever de atuar, em benefício das presentes e futuras gerações, para reduzir os impactos das interferências antrópicas sobre o clima. Definiu ainda que, na busca do objetivo, deve-se considerar todos os contextos socioeconômicos, bem como a distribuição dos ônus e encargos entre setor econômico, populações e comunidades, mediante mecanismos de identificação de vulnerabilidades voltados à adoção de medidas de adaptação. A lei reforçou no Brasil a responsabilidade de todos (Poder Público e sociedade) diante do fenômeno climático (dever de mitigação) e de suas consequências (dever de adaptação).
Com a ampla gama de informações científicas popularizadas pelos meios de comunicação, a ninguém é permitido dizer que desconhece o aquecimento global e os eventos climáticos resultantes, especialmente em zonas geográficas em que forças extremas da natureza atuam mais proximamente. Os eventos, plenamente previsíveis, não mais podem surpreender.