Destaques Noticias | 10 de março de 2020 12:18

Inteligência artificial modifica atividades em tribunais

*Folha de S.Paulo

Programas de inteligência artificial (IA) já estão tomando decisões em diferentes processos do Judiciário e no trabalho de escritórios de advocacia. Aos profissionais do direito, nestes casos, resta apenas a tarefa de conferir e, em seguida, confirmar ou não as orientações sugeridas pelos softwares.

A IA também já realiza ações como ler, interpretar, selecionar e elaborar documentos jurídicos, modificando o perfil de atividades em tribunais e bancas de advogados.

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Segundo a versão mais recente do levantamento “Justiça em Números”, realizado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), 108,3 milhões de causas tiveram início em versão digital de 2008 a 2018 no país.

​Todo esse montante é um farto material para que os sistemas de IA e robôs possam coletar dados, identificar padrões e classificar as informações que interessam para cada tipo de profissional do direito.

No Judiciário de Pernambuco, por exemplo, um sistema de IA atualmente realiza o exame de novas ações de execução fiscal e decide quais delas estão de acordo com as regras processuais e quais estão prescritas, diz o juiz de direito José Faustino Macêdo, da Vara de Executivos Fiscais de Recife.

Macêdo utiliza no dia a dia o sistema, batizado de Elis, e diz que, após conhecer ferramentas tecnológicas de outros tribunais do país, classifica o sistema local como o único que “usa inteligência artificial no processo decisório”.

“Elis de certa forma decide. Ela diz se o processo está ok ou não, e bota na minha caixa para eu assinar. É como se me substituísse até. Agora, não digo que ela me substitui porque eu tenho que parar, logar e posso olhar, verificar se está certo ou não”, afirma Macêdo.

De acordo com o magistrado, nos processos há sempre uma menção expressa sobre o uso da IA. Por meio de etiquetas, por exemplo.

“No texto da própria decisão está dizendo que foi Elis quem fez, para permitir transparência no processo, para que se saiba o que está sendo usado. O sistema precisa ser auditável, ter accountability [termo em inglês que significa possibilidade de ser fiscalizado], pois não é escuso ou escondido de ninguém.”

O sistema de IA na Justiça de Pernambuco foi criado em 2018 e alimentado com dados provenientes das cerca de 450 mil execuções fiscais que estavam em andamento à época no Recife, referentes principalmente ao não pagamento de IPTU e ISS.

Segundo Juliana Neiva, secretária de Tecnologia da Informação e Comunicação do tribunal, o desenvolvimento da IA teve custo zero para a corte, pois foi desenvolvido por servidores do próprio órgão.

OUTROS EXEMPLOS

Em outros tribunais do país também há iniciativas tecnológicas, com dois focos principais: reunir processos que tenham os mesmos temas jurídicos, para decidi-los em conjunto, e automatizar tarefas para acelerar a tramitação das causas.

No STJ (Superior Tribunal de Justiça), o sistema de IA recebeu o nome de Sócrates e foi “treinado” com uso dos dados de 300 mil decisões da corte, segundo a assessoria do tribunal.

Agora a IA “lê” os processos novos e agrupa aqueles com assuntos semelhantes, para que possam ser julgados em blocos. O software também é usado na triagem para barrar a entrada de alguns tipos de causas que não tenham relação com as atribuições do tribunal.

Essa barreira digital é importante porque a Justiça brasileira criou uma categoria denominada demanda repetitiva, que se aplica a todo o processo que tenha como tema uma questão jurídica comum a outros milhares de processos.

São temas jurídicos que envolvem milhões de pessoas, como reajustes de planos de saúde ou índices de correção de taxas públicas.

Nesse tipo de situação, a identificação de uma apelação como demanda repetitiva faz com que ela seja devolvida ao tribunal de origem nos estados. Quando sai a sentença do tribunal superior sobre o assunto, cada corte estadual é que irá aplicar a decisão judicial a cada caso.

O STJ quer ir mais longe no uso da tecnologia e relata que já está em andamento o projeto Sócrates 2, no qual a ideia é avançar para que a IA em breve forneça de forma organizada aos juízes todos os elementos necessários para o julgamento das causas, como a descrição das teses das partes e as principais decisões já tomadas pelo tribunal em relação ao assunto do processo.

A meta é então levar aos magistrados uma espécie de cardápio de conteúdos selecionados para que eles escolham os mais adequados para montar a decisão judicial.

À medida que avança o uso da IA na área jurídica, também surge o debate sobre as questões éticas.

Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de SP e diretor do curso de direito da Faap, José Roberto Neves Amorim diz que a IA não deverá ser utilizada em alguns tipos de processos.

“Não podemos tirar em momento algum a sensibilidade humana do julgamento. Há causa que jamais poderão passar por máquinas, como as causas de família. Para um problema de guarda de filho, não há uma fórmula. Para esse tipo de caso há uma série de circunstâncias que só o ser humano vai conseguir definir”, diz Amorim.

O mesmo impedimento deve ser aplicado às causas penais, segundo o desembargador aposentado do TJ-SP. “No processo criminal, você tem que olhar para o réu, ver a testemunha. O juiz sente a pessoa que mente ou fala a verdade. A liberdade das pessoas é um bem absoluto para a humanidade”, afirma.