O jornal O Globo publicou, nesta quinta-feira (8), artigo da presidente da AMAERJ, Renata Gil, sobre o bloqueio do WhasApp no curso de investigações criminais. Na seção “Tema em discussão”, ela destacou que o direito à segurança pública, em favor de toda a sociedade, suplanta o direito à privacidade quando existem fortes indícios de crimes. “Nenhuma pessoa ou organização no país pode se recusar a cumprir ordem judicial.”
Renata Gil lembrou a decisão da juíza Daniela Barbosa, que determinou, em processo criminal, a suspensão do serviço do aplicativo no país em julho. A presidente da AMAERJ ressaltou que as comunicações virtuais deixam rastros preciosos para investigações. “A Justiça precisa, portanto, ter acesso a esses dados. Como as telefônicas fazem há anos, as empresas de tecnologia têm a obrigação de se adequar à lei brasileira.”
Leia abaixo o artigo na íntegra:
Cumpra-se a Lei
Imaginem a Justiça dos EUA receber um e-mail em português, em resposta à determinação de quebra de sigilo de dados, com as seguintes perguntas: “Se possível, por favor forneça respostas em inglês porque isso melhorará significantemente nossa capacidade de analisar e processar seu pedido a tempo. 1. Trata-se de um assunto criminal? 2. Que organização está conduzindo a investigação (Polícia Federal, Civil, Ministério Público)? 3. Qual é a natureza do crime investigado (corrupção, tráfico de drogas, violência armada/homicídio, exploração infantil, terrorismo etc.) 4. Quais são as contas de WhatsApp alvos deste processo? 5. Que informações são requeridas para cada um dos alvos listados acima?”
Esta mensagem foi enviada em inglês pelo WhatsApp à Justiça brasileira, em um processo criminal da 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias. A juíza Daniela Barbosa havia determinado a desabilitação da chave de criptografia, a interceptação de dados e o encaminhamento das mensagens recebidas e ainda não criptografadas. Além de não obedecer à decisão contra investigados por crime, a resposta em inglês mostra que o WhatsApp ignora a Justiça e os 100 milhões de clientes no país — seu segundo mercado consumidor.
As perguntas soam impertinentes, como se pudesse escolher em que circunstância cumpriria ordem judicial. Só após ter repetido a determinação três vezes, sem sucesso — inclusive com duas intimações pessoais na sede nacional da corporação, em São Paulo — a magistrada suspendeu o serviço do aplicativo no país. A medida causou transtorno aos usuários, mas, por outro lado, as investigações criminais atendiam à população como um todo. Nenhuma pessoa ou organização no país pode se recusar a cumprir ordem judicial.
Quando existem fortes indícios de crimes, o direito à segurança pública, em favor de toda a sociedade, suplanta o direito à privacidade. Não é a primeira vez que o WhatsApp ou o Facebook, dono do aplicativo, impõem dificuldades à Justiça. O descumprimento é reiterado. Em um dos casos, o vice-presidente do Facebook no país chegou a ser preso.
Criminosos aproveitam esse vácuo para se comunicar exclusivamente pelo aplicativo. Na decisão, a juíza escreve que o usam impunemente para “orquestrar execuções, tramar todos os tipos de ilícitos, sempre acobertados pelos responsáveis legais do aplicativo WhatsApp, que insistem em descumprir as decisões judiciais, tornando estas condutas impossíveis de serem alcançadas pela Justiça”.
As comunicações virtuais deixam rastros preciosos para investigações. A Justiça precisa, portanto, ter acesso a esses dados. Como as telefônicas fazem há anos, as empresas de tecnologia têm a obrigação de se adequar à lei brasileira. Depois de tanto descumprimento, não convence mais ninguém a tentativa do WhatsApp de se apresentar como vítima e tentar culpar a Justiça brasileira por seus próprios erros e violações à lei.
Renata Gil de Alcântara Videira é presidente da AMAERJ (Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro)